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FORMAÇÃO DA URINA - FILTRAÇÃO, REABSORÇÃO E SECREÇÃO

Três processos são responsáveis pela formação da urina no néfron: filtração, reabsorção e secreção (Figura 1).

Figura 1: Formação da Urina.

Filtração – É o movimento de líquido e pequenos solutos que passam dos capilares glomerulares para o espaço da cápsula de Bowman. Após passar para dentro do lúmen do néfron o volume composto por líquido e solutos passa a ser chamado de filtrado e sua composição é semelhante ao plasma, exceto pelas proteínas (e substâncias ligadas às proteínas) e células sanguíneas.

 

Reabsorção – Trata-se de um processo de transporte de substâncias presentes no filtrado de volta para o sangue, ou seja, do lúmen do túbulo para os capilares peritubulares. Exemplo: glicose, água, sódio.

 

Secreção – É a remoção de moléculas específicas do sangue e a adição das mesmas ao filtrado no lúmen do túbulo. A secreção tubular inclui também as moléculas sintetizadas nas células tubulares e secretadas no lúmen tubular. Exemplo: medicamentos, potássio e íon hidrogênio.

 

Excreção – É a eliminação de substâncias do organismo. Neste caso, pela urina, após a filtração glomerular e os processos tubulares de secreção e reabsorção.

Nas seções seguintes, conheceremos de forma mais detalhada os processos de filtração, reabsorção, secreção e excreção.

 

FILTRAÇÃO

A primeira etapa na formação de urina é a filtração do plasma. Em condições normais, as células sanguíneas permanecem nos capilares e o filtrado é composto apenas de água e solutos dissolvidos. Durante a filtração, se poderia imaginar que a totalidade do plasma do capilar se mova para dentro da cápsula de Bowman. Todavia, apenas 20% do plasma que flui ao longo dos rins é filtrado para dentro dos néfrons. Os outros 80% restantes, junto com as proteínas e células sanguíneas, fluem pela arteríola eferente para os capilares peritubulares e daí para a circulação sistêmica via veia renal. A parcela do fluxo sanguíneo renal que é filtrada para dentro do túbulo é chamada de fração de filtração.

O processo de filtração ocorre no corpúsculo renal, que é formado por capilares glomerulares envolvidos pela cápsula de Bowman. As substâncias a serem filtradas precisam atravessar as três barreiras de filtração (membrana de filtração) para então entrar no lúmen do túbulo, são elas: o endotélio do capilar glomerular, a membrana basal e o epitélio da cápsula de Bowman.

 

Membrana de Filtração Glomerular - A membrana de filtração glomerular é composta por três camadas: o endotélio capilar, a membrana basal e as células epiteliais da cápsula de Bowman, situadas sobre a superfície externa da membrana basal (Figura 10). Esta barreira de filtração tem a capacidade de filtrar muito mais vezes água e solutos do que uma membrana capilar normal devido à alta pressão hidrostática dessa rede capilar e também devido às características especiais dos componentes dessa barreira. O sangue chega ao corpúsculo renal pela arteríola aferente, que forma uma rede de capilares glomerulares. Assim, a primeira camada da membrana de filtração a ser ultrapassada é o endotélio desses capilares.

 

Endotélio do Capilar Glomerular – Os capilares glomerulares são fenestrados, ou seja, possuem grandes poros que permitem a filtração da maior parte dos componentes do plasma. Todavia, estes poros têm a dimensão adequada (cerca de 70 nanômetros) para impedir que células sanguíneas atravessem o capilar. Além disso, glicoproteínas carregadas negativamente, presentes na superfície das fenestras, também auxiliam repelindo grandes proteínas aniônicas do plasma, como é o caso da albumina. Assim, esses capilares são permeáveis à água, pequenos solutos, como íons, glicose, ureia e peptídeos pequenos.

 

Membrana Basal – Esta barreira é uma camada acelular que consiste em uma trama de colágeno, proteoglicanas, glicoproteínas e outras proteínas com carga negativa, situada entre o endotélio capilar e o revestimento epitelial da cápsula de Bowman. Esta barreira possui grandes espaços, atuando como uma espécie de peneira grossa (5-15nm), onde grande quantidade de água e pequenos solutos pode ser filtrada.

 

Epitélio da Cápsula de Bowman - Constituído por podócitos, os quais são células que contém extensões longas que formam pés (pedicelos) que aderem à membrana basal e revestem a superfície externa dos capilares. Na verdade, este epitélio corresponde ao folheto visceral da cápsula de Bowman, sendo que entre este folheto e o folheto parietal está o espaço de Bowman para onde fluirá o filtrado.

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Os pés dos podócitos se entrelaçam formando pequenos espaços entre eles chamados de fendas de filtração, por onde se deslocará o filtrado glomerular. Cada fenda de filtração é recoberta por um fino diafragma proteico que possui poros. As fendas de filtração funcionam como filtro que seleciona as moléculas por seu tamanho, impedindo que as proteínas e macromoléculas, que cruzarem a membrana basal, entrem no espaço de Bowman.

Figura 2: Esquema da barreira de filtração.

As células mesangiais glomerulares estão situadas entre e ao redor dos capilares glomerulares. Estas células são capazes de contrair e alterar o fluxo sanguíneo pelos capilares, fagocitar e secretar substâncias como endotelina, prostaglandinas e citocinas. As células mesangiais extraglomerulares fazem parte do sistema justaglomerular.

Você Sabia?

A membrana das fendas de filtração contém várias proteínas únicas, incluindo a nefrina e a podocina. Estas proteínas foram descobertas por pesquisadores que procuravam por mutações gênicas responsáveis por doenças renais congênitas. Nessas doenças, onde a nefrina e a podocina estão ausentes ou anormais, as proteínas passam através da barreira de filtração glomerular para a urina.

TFG - Taxa de Filtração Glomerular

A barreira de filtração permite a passagem de moléculas de forma seletiva, dependendo do tamanho e da carga. Moléculas com peso molecular menor do que 7.000 Da passam livremente pela barreira (o raio molecular seria aproximadamente de 2 nm). Moléculas com peso molecular acima de 60.000 daltons (cerca de 4,2 nm de raio) não passam pela barreira de filtração. Entre esses extremos, a carga definirá a maior ou menor dificuldade para a filtração. Devido à presença de proteínas e de carga negativa em todas as camadas da membrana de filtração, macromoléculas com carga negativa terão dificuldade de passar pela barreira.

É uma taxa relativamente constante e influenciada por dois fatores: a pressão de filtração resultante e o coeficiente de filtração. O coeficiente de filtração (Kf) é dado pelo produto da permeabilidade dos capilares glomerulares pela área da superfície disponível para a filtração. Isso significa que, independente da pressão de filtração, a TFG será diretamente proporcional à área disponível e à permeabilidade dos capilares. Esse coeficiente é muito mais alto nos capilares glomerulares do que em capilares localizados em outros tecidos, como pele e músculo, por exemplo, uma vez que apresentam área e permeabilidade muito maiores.

 

A pressão de filtração resultante (PFR) é determinada pelas forças de Starling, sendo influenciada basicamente por três pressões – pressão hidrostática do capilar glomerular (PHg), pressão oncótica do capilar glomerular (POg) e pressão hidrostática capsular (PHc). A soma dessas pressões gera a pressão resultante, a qual é de aproximadamente 10 mm Hg na direção que favorece a filtração (Figura ). Assim, a TFG é diretamente proporcional à PFR.

PFR - Pressão de Filtração Resultante

PHg – Pressão hidrostática glomerular 55 mm Hg

 

A pressão hidrostática é a força que tende a impulsionar o líquido e os solutos através do endotélio permeável dos capilares glomerulares. É a pressão do sangue fluindo ao longo dos capilares glomerulares. Esta pressão favorece a filtração para dentro da cápsula de Bowman.

 

POg – Pressão oncótica glomerular 30 mm Hg

 

Oferece resistência à passagem de líquidos e solutos nos capilares glomerulares. Esta pressão ocorre devido à presença no plasma de proteínas que atraem as moléculas de água, dificultando a filtração. Esta pressão é maior dentro dos capilares glomerulares do que no líquido da cápsula de Bowman, porque as proteínas normalmente não são filtradas para o espaço da cápsula.

 

PHc – Pressão hidrostática capsular 15 mm Hg

 

A pressão do líquido filtrado presente no espaço da cápsula de Bowman é chamada pressão hidrostática capsular, e se opõe ao movimento de líquido para dentro da cápsula gerado pela filtração.

O que você
acha?

Qualquer alteração nas pressões de Starling (hidrostática e oncótica) altera a pressão de filtração resultante (Figura 3). Por exemplo, o que você acha que ocorreria com a TFG se a concentração de proteínas no plasma fosse muito baixa (hipoproteinemia)? E se a pressão arterial fosse aumentada? Quais modificações ocorreriam nas pressões de Starling nesses casos?

Figura 3: Pressão Resultante de Filtração.

Alterações no calibre das arteríolas aferente e eferente alteram a pressão hidrostática nos capilares glomerulares e, consequentemente, a taxa de filtração glomerular.

Figura 4: Efeito da alteração no calibre das arteríolas aferente e eferente sobre a TFG.

O que determina a filtração glomerular?

A FG através da membrana de filtração é determinada, além da permeabilidade e área de filtração, pela interação de forças hidrostáticas e coloidosmóticas. Estas pressões influenciam a FG e, apesar de já terem sido abordadas anteriormente, recordaremos agora: a pressão hidrostática no capilar glomerular (PHg), a pressão oncótica glomerular (POg) e a pressão hidrostática do líquido capsular (PHc). A pressão oncótica, ou coloidosmótica, da cápsula será desconsiderada uma vez que a maior parte das proteínas não passa pela membrana de filtração. É relevante recordar que a força motriz resultante é de aproximadamente 10 mm Hg na direção que favorece a filtração.

 

A taxa de filtração glomerular varia de acordo com o calibre das arteríolas aferente e eferente (Figura 3). Para regular a TFG existem mecanismos intrínsecos e extrínsecos que são capazes de alterar essa taxa, modificando o fluxo sanguíneo renal. A vasodilatação da arteríola aferente permite um fluxo maior de sangue nos capilares glomerulares e este aumento de fluxo aumenta a pressão hidrostática glomerular, aumentando a TFG. Por outro lado, a vasoconstrição da arteríola aferente aumenta a resistência arteriolar e o fluxo diminui, com isso a pressão hidrostática diminui e a TFG também. Já a vasodilatação da arteríola eferente diminui a resistência arteriolar ao fluxo do sangue, fazendo com que o sangue saia do glomérulo mais facilmente e a pressão hidrostática diminua. Quando ocorre a vasoconstrição da arteríola eferente, há uma maior resistência à passagem do sangue, aumentado a pressão hidrostática nos capilares glomerulares e a TFG (Figura 5).

Figura 5: Variação de TFG de acordo com o calibre da arteríola.

Você Sabia?

Hipertensão Arterial e Insuficiência Renal - Você sabia que a hipertensão arterial pode causar lesão no rim e levar à insuficiência renal crônica? A hipertensão causa hiperfiltração e espessamento da membrana basal, entre outros danos ao rim, levando à nefroesclerose, dependendo do grau e da duração da hipertensão.  Apesar de ser a segunda causa de insuficiência renal crônica e da necessidade de hemodiálise, muitas vezes os hipertensos não sabem precocemente do comprometimento renal e podem inclusive parar o tratamento da hipertensão, pensando que “já estão bem”.

REGULAÇÃO DA TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR

A principal função da autorregulação do fluxo sanguíneo na maioria dos tecidos, exceto nos rins, é manter o fornecimento de oxigênio e de nutrientes em níveis normais e remover os produtos indesejáveis do metabolismo. Nos rins, o fluxo sanguíneo normal é muito maior do que o requerido para estas funções. A principal função da autorregulação renal é manter a TFG relativamente constante apesar das variações da pressão arterial, permitindo o controle preciso da excreção renal de água e solutos. Desta forma, ocorre a proteção das barreiras de filtração, prevenindo possíveis danos em um panorama de hipertensão.

 

Autorregulação Renal da TFG – Controle intrínseco

 

A autorregulação da TFG é um processo de controle local, envolvendo apenas o rim. Neste processo, o rim mantém a TFG relativamente constante frente às flutuações da pressão sanguínea. O processo de autorregulação acontece através de dois mecanismos – Mecanismo Miogênico e Retroalimentação túbulo-glomerular. Os dois mecanismos da autorregulação envolvem o controle do fluxo na arteríola aferente.

 

A pressão hidrostática, que é a principal força responsável pela filtração glomerular, é influenciada diretamente pela pressão arterial e pelo volume sanguíneo. Desta forma, poderíamos assumir que se a pressão sanguínea aumentasse a TFG aumentaria e, em caso de diminuição da pressão sanguínea, a TFG diminuiria. Entretanto, geralmente, não acontece desta forma. A TFG é mantida relativamente constante em uma larga faixa de pressões sanguíneas. Em uma faixa entre 80 mmHg e 180 mmHg, a TFG é, em média, 180 litros por dia.

 

Mecanismo Miogênico (gerado no músculo da túnica média da arteríola aferente)

 

Trata-se da habilidade intrínseca do músculo liso vascular de responder a mudanças de pressão. Quando o músculo liso da parede da arteríola aferente estira, por conta do aumento da pressão sanguínea renal, abrem-se canais iônicos sensíveis ao estiramento, e assim as células do músculo despolarizam. Esta despolarização abre canais de cálcio controlados por voltagem e o músculo liso vascular contrai. Esta vasoconstrição aumenta a resistência no vaso e o fluxo de sangue pela arteríola aferente diminui. A redução do fluxo propicia a diminuição da pressão hidrostática do glomérulo diminuindo a pressão de filtração no glomérulo, impedindo assim que a TFG aumente apesar do aumento da pressão arterial (Figura 14).

 

Por outro lado, se a pressão sanguínea diminui, ocorre menor tensão na parede arteriolar e a arteríola dilata. No contexto de vasodilatação, não há a mesma eficiência na manutenção da TFG. Em consequência, quando a pressão sanguínea é menor que 80 mmHg a autorregulação é interrompida e a TFG diminui.

Figura 6: Mecanismo Miogênico.

Retroalimentação ou Feedback Tubuloglomerular 

A retroalimentação tubuloglomerular é um mecanismo de controle local (autorregulação), no qual o fluxo de líquido no túbulo distal influencia a TFG do mesmo néfron. O néfron possui um trajeto com várias curvas e esta configuração faz a porção final do ramo ascendente da alça de Henle/inicial do túbulo distal* passar entre as arteríolas aferente e eferente (Figura 15). As paredes arteriolares e do túbulo são modificadas nas regiões onde entram em contato uma com a outra, formando o aparelho justaglomerular. A porção modificada do epitélio do túbulo é uma placa de células chamada de mácula densa (Figura 15). A parede adjacente da arteríola aferente possui células musculares lisas especializadas denominadas células granulares (também chamadas de células justaglomerulares).

 

*Alguns autores consideram que a parte do néfron em questão é o final da alça de Henle e outros a parte inicial do túbulo distal. Aqui vamos considerar que as células da mácula densa estão no limite entre estes dois segmentos do néfron.

Figura 7: Mácula densa.

Quando a TFG aumenta, o fluxo de líquido e de íons sódio no filtrado aumenta, fazendo com que o fluxo tubular e a concentração de cloreto de sódio que chega na mácula densa também aumente. A mácula densa é como um quimiorreceptor*, que detecta o aumento de íons sódio no líquido tubular (Figura 8). Isso faz com que as células da mácula densa sinalizem secretando substâncias parácrinas (principalmente ATP ou adenosina) vasoconstritoras que provocam a constrição da arteríola aferente, diminuindo a pressão hidrostática no glomérulo e, consequentemente, diminuindo a TFG. Em virtude da proximidade entre as células da mácula densa e as células musculares da parede da arteríola aferente, é muito fácil uma substância parácrina atingir sua célula-alvo e o feedback túbulo-glomerular acontecer. Ou seja, uma estrutura tubular (mácula densa) detecta que a TFG aumentou ou diminuiu e sinaliza para uma estrutura glomerular (arteríola aferente) “retroalimentando” e corrigindo a alteração inicial da TFG. No caso de redução da TFG, a principal substância parácrina vasodilatadora liberada pela mácula densa é o óxido nítrico.

*Quando a quantidade no lúmen tubular de NaCl é alta, o influxo desses íons aumenta nas células da mácula densa, principalmente pelo co-transportador 1Na-1K-2Cl, o que acaba levando à liberação dos agentes parácrinos que vão sinalizar para a arteríola aferente.

Figura 8: Retroalimentação túbulo-glomerular.

Você Sabia?

O excesso de ingestão de proteínas vai levar a uma maior reabsorção de sódio no túbulo proximal o que vai fazer com que chegue menos sódio na mácula densa e isso estimule a dilatação da AA (feedback túbulo-glomerular), produzindo “hiperfluxo” renal e aumentando a filtração glomerular. Esse hiperfluxo pode levar ao desenvolvimento de lesões renais, e, por isso, a dieta de pacientes com insuficiência renal deve ser sempre com restrição de proteínas.

Controle Extrínseco - Mecanismos Neurais e Mecanismos Hormonais

Além dos mecanismos locais, dentro do rim, há mecanismos externos que podem influenciar o controle da homeostase da pressão sanguínea e da taxa de filtração glomerular no rim. Estes mecanismos podem, inclusive, superar os controles locais (intrínsecos). O controle extrínseco não é autorregulação porque envolve mecanismos de fora do rim, originados em componentes de outros sistemas, como os sistemas nervoso e/ou endócrino.

 

Mecanismos Neurais

 

Essencialmente, todos os vasos sanguíneos renais, incluindo as arteríolas aferentes e eferentes, são ricamente inervados pelas fibras nervosas simpáticas. A forte ativação dos nervos simpáticos renais pode produzir constrição das arteríolas renais (via noradrenalina) e diminuir o fluxo sanguíneo renal e a filtração glomerular. A estimulação simpática leve ou moderada tem pouca influência no fluxo sanguíneo renal e na filtração glomerular. Por exemplo: a ativação reflexa do sistema nervoso simpático, resultante de diminuições moderadas da pressão nos barorreceptores do seio carotídeo ou nos receptores cardiopulmonares, tem pouca influência sobre o fluxo sanguíneo renal ou a filtração glomerular.

 

Entretanto, a inervação simpática renal parece ser mais importante na redução da filtração glomerular durante eventos mais graves e agudos, que duram de alguns minutos ou até algumas horas, tais como os originados por reações de luta ou fuga, dor intensa, isquemia cerebral ou uma hemorragia grave. Neste tipo de contexto, ocorre constrição principalmente da arteríola aferente e uma consequente diminuição da TFG. Nesse caso, o objetivo é manter a pressão arterial* e a sobrevivência do organismo, mesmo que isso represente redução do fluxo sanguíneo renal e da filtração glomerular. No indivíduo saudável em repouso, o estímulo simpático parece ter pouca influência sobre o fluxo sanguíneo renal.

* Lembre-se que a ativação simpática também produz outros efeitos que acabam contribuindo para a manutenção da pressão arterial, como vasoconstrição sistêmica, aumento da frequência e débito cardíacos, liberação de adrenalina pela medula da supra-renal, ativação do sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona, reabsorção tubular de sódio, etc.

 

Mecanismos Hormonais

 

Muitas substâncias exercem influência sobre a resistência arteriolar e, consequentemente, sobre o fluxo sanguíneo renal. Uma das mais importantes é a angiotensina II, com grande capacidade vasoconstritora das arteríolas. Além da angiotensina II, a adrenalina, a noradrenalina e a endotelina são exemplos de substâncias vasoconstritoras das arteríolas. Por outro lado, as prostaglandinas, a bradicinina, a histamina e o óxido nítrico diminuem a resistência vascular renal causando vasodilatação. Estas alterações têm como consequência, a alteração da filtração glomerular.

Noradrenalina e Adrenalina

Os hormônios que provocam constrição das arteríolas aferente e eferente, causando alterações no fluxo sanguíneo renal e na TFG, incluem a adrenalina e a noradrenalina (catecolaminas) liberadas pela medula da glândula adrenal. De uma forma geral, os níveis sanguíneos destes hormônios acompanham a atividade do sistema nervoso simpático. Além disso, a noradrenalina é também o neurotransmissor do simpático. A adrenalina e a noradrenalina têm pouca influência sobre a hemodinâmica renal, exceto sob condições extremas, como em um episódio de hemorragia grave.

Sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA)

Renina

A renina é uma enzima produzida pelas células justaglomerulares sendo que o principal estímulo para sua secreção é a queda da pressão arterial e da pressão de perfusão na arteríola aferente. Outro estímulo para a secreção de renina é a queda da concentração do íon sódio na mácula densa (Figura 9). O sistema nervoso simpático também estimula a liberação de renina, ativando receptores adrenérgicos tipo beta. As células justaglomerulares recebem inervação simpática direta e a liberação de renina mediada pelo sistema nervoso simpático gera uma resposta aguda. O estresse intenso e a necessidade de sangue em órgãos vitais são eventos capazes de desencadear a liberação de renina por esta via. Além disso, a renina é uma enzima que faz parte das reações responsáveis pela produção de angiotensina II. Estas reações serão descritas a seguir.

Figura 9: Estímulos para a liberação de renina.

Angiotensina II

A angiotensina II é uma das substâncias que integram o SRAA, relacionado à manutenção da pressão sanguínea e também da regulação da filtração glomerular. Esta via é ativada quando as células granulares (também chamadas de justaglomerulares) secretam renina (Figura 18). A renina converte uma proteína plasmática inativa (zimogênio) chamada angiotensinogênio em angiotensina I.

 

Quando a angiotensina I entra em contato no sangue com a enzima conversora da angiotensina (ECA), ela é convertida em angiotensina II. Como já mencionado, a angiotensina II tem um poderoso efeito vasoconstritor e, além disso, estimula a síntese e a liberação de aldosterona, quando chega à glândula suprarrenal. No néfron distal, a aldosterona estimula a reabsorção de sódio a partir do lúmen do túbulo (Figura 18). Como a água tende a acompanhar o sódio, é esperado que a volemia e a pressão sanguínea aumentem.

 

O efeito vasoconstritor da angiotensina II contribui para aumentar a resistência periférica e, consequentemente, a pressão arterial. Receptores de angiotensina estão presentes em todos os vasos sanguíneos dos rins. No entanto, os vasos sanguíneos pré-glomerulares, em especial as arteríolas aferentes, não apresentam a mesma sensibilidade à angiotensina II que as arteríolas eferentes. Esta diferença de resposta se deve também à liberação de vasodilatadores, como o óxido nítrico e as prostaglandinas, nas arteríolas aferentes que acabam por diminuir o efeito vasoconstritor da angiotensina II. Portanto, em doses baixas de angiotensina II, acontece apenas a contração da arteríola eferente. A angiotensina II também tem o efeito de contrair as células mesangiais, que ficam em torno dos glomérulos, diminuindo a área disponível para a filtração e, por consequência, a filtração glomerular.

Outros efeitos da angiotensina II também contribuem para o controle do volume plasmático e da pressão arterial, como o aumento da sede e da síntese de ADH.

Figura 10: Sistema renina-angiotensina-aldosterona.

No contexto do exercício físico, não ocorrem mudanças importantes até aproximadamente 50% do VO2max. A partir deste ponto, o fluxo sanguíneo renal (FSR) tem uma queda significativa. Durante o exercício físico, em cargas superiores a 50% do VO2max, o FSR corresponde a 1% do débito cardíaco.

Quando ocorre a diminuição do FSR durante o exercício, as células justaglomerulares detectam esta queda e passam a liberar renina, que é liberada na corrente sanguínea e dá início ao processo de síntese de angiotensina II. A angiotensina II age nas arteríolas aferente e eferente, provocando vasoconstrição principalmente da arteríola eferente e garantindo a manutenção da filtração glomerular, mesmo em condições de baixo FSR.

Você Sabia?

DEPURAÇÃO OU CLEARANCE

A depuração ou clearance de um soluto é a taxa na qual este soluto é eliminado por excreção ou metabolização no organismo. Independente do soluto em questão, a depuração renal é expressa pelo volume de plasma que passou pelos rins e foi totalmente “limpo” dessa substância em determinado período de tempo.

Figura 11: Cálculo da depuração ou clearance.

Este cálculo nos fornece o volume de plasma de onde determinada substância foi removida pelo rim em determinado tempo, normalmente dado em mL de plasma por minuto. Ou seja, a taxa de remoção do plasma de uma substância totalmente removida pelo rim e eliminada na urina.

Pode parecer simples medir a taxa de filtração glomerular, uma vez que se poderia simplesmente quantificar quanto dessa substância se encontra na urina e daí concluir que ela foi filtrada e excretada. Porém, o filtrado sofre modificações ao longo do néfron e sua quantificação na urina nem sempre corresponde ao que foi filtrado. Essa substância pode ter sido reabsorvida, diminuindo sua excreção na urina, ou secretada, o que aumentaria sua quantidade na urina. Assim, para avaliar a filtração glomerular, é importante utilizar substâncias que não sejam secretadas nem reabsorvidas nos túbulos. Algumas substâncias apresentam essa característica, entre elas a inulina.

Inulina - esta é uma substância que é totalmente filtrada e não sofre reabsorção ou secreção. Como 100% da inulina que é filtrada para o túbulo é excretada, podemos dizer que a depuração de inulina é igual à taxa de filtração glomerular. Por isso, se diz que a depuração da inulina é igual a 1 e pode servir de referência para quantificar a depuração de outras substâncias que não sabemos como se comportam no néfron.

Albumina – é uma proteína que não é filtrada. Portanto, sua taxa de depuração é igual a zero.

 

Glicose – é totalmente filtrada e totalmente reabsorvida (até um limite de capacidade de transporte). Sendo assim, sua depuração normalmente é igual a zero.

 

Ureia – é totalmente filtrada, parcialmente reabsorvida e também secretada. Desta forma sua taxa de depuração será maior que zero.

 

Ácido para-amino-hipúrico (PAH) – é totalmente filtrado mas também é secretado. A depuração desta substância é maior do que a da inulina, ou seja, a depuração deste ácido é maior que 1. A penicilina tem o mesmo perfil do PAH.

 

O uso da inulina para medir a TFG não é uma prática comum na rotina clínica, pois não é uma substância naturalmente presente no organismo humano. Desta forma, precisaria ser administrada por infusão intravenosa contínua. Assim, o uso da inulina está restrito à pesquisa. Na clínica, se usa a medida da creatinina plasmática como parâmetro de avaliação da função renal, já que a sua produção apenas depende do metabolismo celular muscular e é quase exclusivamente eliminada na filtração glomerular.

Você Sabia?

Nefropatia Diabética - O estágio final da insuficiência renal, no qual o rim está lesionado além da sua capacidade de recuperação, é uma complicação que atinge 30 a 40% das pessoas com diabetes tipo 1 e 10 a 20% das pessoas com diabete tipo 2. Como em muitas outras complicações do diabetes, a causa exata da insuficiência renal ainda não é clara. A nefropatia diabética geralmente inicia com o aumento da filtração glomerular. A isto se segue o aparecimento de proteínas na urina (proteinúria), uma indicação de que a barreira de filtração não está íntegra. Nos estágios posteriores, a taxa de filtração diminui. Este estágio é associado a um espessamento da lâmina basal glomerular e com mudanças nos podócitos e células mesangiais. A proliferação anormal das células mesangiais comprime os capilares glomerulares e impede o fluxo de sangue, contribuindo para o decréscimo na filtração glomerular. Neste estágio, os pacientes precisam ter sua função renal suplementada por diálise e, finalmente, podem necessitar de um transplante renal.

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