REABSORÇÃO E SECREÇÃO TUBULAR
Após ocorrer a filtração nos capilares glomerulares, o filtrado glomerular entra na cápsula de Bowman e flui pelas porções tubulares do néfron: túbulo proximal, alça de Henle, túbulo distal, túbulo coletor e, por fim, ducto coletor – antes de ser excretado como urina. Ao longo deste percurso, algumas substâncias são seletivamente reabsorvidas dos túbulos para o sangue, enquanto outras são secretadas do sangue para o lúmen tubular. Finalmente, a urina formada representa a soma dos três processos renais básicos – filtração glomerular, reabsorção tubular e secreção tubular – como segue:
Reabsorção Tubular
Diariamente, 180 litros de líquido passam dos capilares glomerulares para dentro dos túbulos pelo processo de filtração. Deste montante, apenas 1,5 L é excretado na urina. Desta forma, é possível concluir que grande parte (99%) do líquido filtrado que passa pelos túbulos é reabsorvido. A maior parte da reabsorção acontece no túbulo proximal (cerca de 70%), com uma parcela pequena sendo reabsorvida nos segmentos distais do néfron.
Diferente da filtração glomerular, que é relativamente não seletiva (isto é, praticamente todos os solutos do plasma são filtrados, exceto as proteínas plasmáticas ou substâncias ligadas a elas), a reabsorção tubular é muito seletiva. Algumas substâncias, como glicose e aminoácidos, são quase que completamente reabsorvidas pelos túbulos, de forma que a intensidade da sua excreção urinária é, em termos práticos, zero. Muitos íons presentes no plasma, como sódio, cloreto e bicarbonato, também são reabsorvidos em quantidades significativas, mas a intensidade de sua reabsorção e de excreção urinárias variam e são dependentes das necessidades do organismo. Resíduos do metabolismo, como a ureia e a creatinina, ao contrário, são pouco reabsorvidos pelos túbulos, sendo excretados em quantidades maiores.
Desta forma, de acordo com a intensidade com que reabsorvem determinadas substâncias, os rins regulam a excreção de solutos, independentemente uns dos outros, característica fundamental para o controle preciso da composição dos líquidos corpóreos. A seguir, abordaremos os mecanismos que permitem que os túbulos renais reabsorvam ou secretem de forma seletiva, substâncias diferentes, em intensidades variáveis.
A Reabsorção Tubular envolve mecanismos ativos e passivos
A reabsorção tubular inclui mecanismos ativos e passivos de transporte (Figura 1). Para que uma substância seja reabsorvida, ela deve primeiro ser transportada através das membranas epiteliais tubulares (ou das junções oclusivas) do lúmen tubular para o líquido intersticial renal e, após, através das membranas dos capilares peritubulares, entrar na corrente sanguínea. A reabsorção se dá, então, do lúmen tubular para o capilar sanguíneo, através da célula tubular (transcelular) ou das junções oclusivas (tight junctions) entre duas células tubulares (paracelular).
O caminho seguido pelo soluto e seus mecanismos de transporte depende da permeabilidade das junções entre as células epiteliais que revestem os túbulos renais e do seu gradiente eletroquímico. É importante relembrar que as moléculas com carga, como os íons, sofrem influência do gradiente elétrico para o seu transporte. Solutos que se movem a favor do seu gradiente de concentração usam canais de vazamento ou carreadores de difusão facilitada para cruzarem a membrana celular. Moléculas que precisam ser movidas contra o gradiente eletroquímico são transportadas por transporte ativo primário ou secundário (Figura 1).
Figura 1: Reabsorção Tubular.
Transporte Ativo
O transporte ativo tem a capacidade de mover o soluto através da membrana plasmática contra o seu gradiente, mas demanda energia e necessita de um transportador. Quando a proteína transportadora possui atividade enzimática de ATPase, ou seja, hidrolisa o ATP e usa a energia liberada nessa reação para o transporte, esse transporte é denominado transporte ativo primário. Um exemplo deste tipo de transportador é a bomba Na K ATPase, encontrada na membrana basal de todas as células.
No transporte ativo secundário, ou transporte acoplado, o transportador não executa a hidrólise do ATP diretamente, mas a energia usada no transporte é fornecida por gradientes eletroquímicos (energia química potencial) estabelecidos por transporte ativo primário que ocorre em outra parte da membrana celular. Assim, o transporte secundário usa a energia armazenada nesses gradientes, para mover também outro soluto. Quando o movimento dos dois solutos ocorre no mesmo sentido, este transporte é chamado de co-transporte ou simporte (ex. íon sódio/glicose) e quando é no sentido contrário, chama-se de contra-transporte ou antiporte (ex. íon sódio/íon hidrogênio). Por exemplo, quando os íons sódio são transportados para fora das células por transporte ativo primário, forma-se um gradiente de concentração de sódio e o movimento dos íons sódio a favor do seu gradiente de concentração é realizado por uma proteína transportadora que também transporta outra substância, mas contra seu gradiente de concentração. O transporte de sódio está direta ou indiretamente envolvido na reabsorção de água e de solutos, ao longo de todo o néfron, envolvendo transportes ativos ou passivos (Figura 1).
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Túbulo Proximal
O Túbulo proximal é a primeira porção do néfron que se segue à cápsula de Bowman e possui uma porção inicial tortuosa, por isso chamado de contorcido ou contornado, e a seguir uma parte reta que se continua com a alça de Henle. Nesta parte do néfron, ocorre a maior parte da reabsorção de água e sódio, mas também de outros íons e solutos. A reabsorção de sódio e água são importantes por terem influência significativa no volume de plasma, na pressão arterial e também no volume de urina. Há ainda reabsorção de sódio e água na alça de Henle, no túbulo distal e no ducto coletor, onde hormônios como ADH, aldosterona, angiotensina II e peptídeo natriurético atrial atuam e fazem a regulação fina de quanto será eliminado na urina.
Além da água, ocorre a reabsorção de praticamente toda a glicose e aminoácidos filtrados nesta porção do néfron, através de um mecanismo de transporte ativo secundário que será mencionado a seguir.
As células epiteliais que revestem o túbulo proximal apresentam características estruturais que favorecem a reabsorção: microvilosidades apicais (aumentando a área de reabsorção), grande número de mitocôndrias (para a produção de ATP necessário para sustentar os transportes ativos) e junções oclusivas relativamente permeáveis (permitindo a passagem de água e íons no espaço intercelular).
A membrana plasmática da célula tubular é dividida funcionalmente em dois pólos: apical (ou luminal) e basolateral, de modo que as proteínas transportadoras que estão presentes em um não estão no outro.
O ponto-chave na reabsorção tubular é a reabsorção de sódio, já que outras substâncias são transportadas acopladas a ele por via transcelular, e também porque se estabelecem gradientes que vão determinar a reabsorção de água e íons pela via paracelular. Veremos, a seguir, como isso se dá, passo a passo.
Transporte Ativo Primário de Sódio (MBL) - Gradiente
O transporte ativo de sódio é o mecanismo que impulsiona a maior parte da reabsorção renal deste íon e de outros solutos. A composição iônica do filtrado que entra no túbulo proximal é semelhante à composição iônica plasmática sendo a concentração luminal de sódio maior do que sua concentração intracelular. É importante ressaltar que o gradiente do sódio favorável a sua entrada apical é mantido pela bomba Na+K+ATPase localizada na membrana basolateral (MBL), ou seja, a bomba retira o íon sódio de dentro da célula, diminuindo sua concentração intracelular e favorecendo sua entrada pela membrana luminal (Figura 2). Na verdade, esse gradiente de sódio mantido pela bomba vai ser responsável pelo transporte apical de outros solutos, mediante o transporte ativo secundário ou acoplado ao sódio.
Figura 2: Transporte de sódio no túbulo proximal.
Transporte Ativo Secundário de Sódio (simporte apical)
O transporte ativo secundário ligado ao sódio é responsável pela reabsorção de muitas substâncias no néfron, incluindo glicose, aminoácidos, fosfato, lactato e outros metabólitos orgânicos (Figura 2). Principalmente na parte inicial do túbulo proximal, a membrana apical da célula possui co-transportadores de sódio e glicose (SGLT), que transportam a glicose para o espaço intracelular contra o seu gradiente de concentração, aproveitando a energia proveniente do movimento do sódio a favor do seu gradiente eletroquímico. Como já mencionado, a membrana basolateral da mesma célula possui a bomba Na+K+ATPase que transporta o sódio para o interstício, mantendo a concentração intracelular de sódio baixa. Já a glicose, sai da célula tubular para o interstício por difusão facilitada, com o auxílio de um transportador de glicose (GLUT). É importante ressaltar que a reabsorção tubular de glicose normalmente recupera toda a glicose filtrada, porém, se a glicemia ultrapassar um valor de aproximadamente 300mg/dL a capacidade de transporte tubular da glicose é alcançado (transporte máximo). Ou seja, a partir desse ponto a excreção de glicose passa a ser proporcional a sua filtração. Se a carga filtrada exceder a capacidade de reabsorção tubular, a glicose não reabsorvida é excretada na urina (glicosúria). Em pessoas saudáveis, a glicemia oscila em torno de 90 mg/dL, de modo que a glicose não aparece na urina porque é totalmente reabsorvida.
Na membrana apical, há também outros co-transportadores, os quais acoplam o transporte do sódio do lúmen tubular para o interior da célula ao de outras substâncias, como aminoácidos e lactato, que também são reabsorvidos por transporte ativo secundário no início do túbulo proximal. Na membrana basolateral, esses solutos se difundem para o interstício e daí ao capilar peritubular (Figura 2).
Transporte Ativo Secundário Na H (antiporte apical)
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Reabsorção de Bicarbonato
A maior parte da reabsorção do bicarbonato, aproximadamente 90%, ocorre no túbulo proximal. Em contraste, a porção distal do néfron, recupera muito pouco bicarbonato do filtrado. Uma das razões dessa diferença resulta de uma reação química, que é facilitada pela maior quantidade de anidrase carbônica (AC) existente na borda luminal do túbulo proximal.
A reabsorção de bicarbonato na região tubular proximal também depende da Na / K ATPase existente na membrana basolateral do túbulo. Esta ATPase mantém a concentração intracelular de sódio baixa, gerando seu gradiente de concentração do lúmen tubular para dentro da célula, e este entra na célula em troca pelo H através do contratransportador de Na H . A troca do íon sódio que é reabsorvido pelo íon hidrogênio que é secretado é um antiporte, ou seja, um transporte ativo secundário. O íon hidrogênio secretado para o lúmen encontra no lúmen o bicarbonato que foi filtrado e forma-se ácido carbônico (H2CO3). A presença da anidrase carbônica (AC) na membrana luminal permite a rápida conversão do H2CO3 em CO2 e H2O. A seguir, ocorre a difusão de CO2 para dentro da célula, onde ocorrerá a reação inversa: CO2 + H2O => H2CO3 na presença de anidrase carbônica (AC) intracelular (Figura 3). Por fim, o íon hidrogênio formado dentro da célula é secretado novamente para o lúmen em troca de sódio, reiniciando o ciclo de reabsorção, enquanto o HCO3- vai do interior da célula para o espaço intersticial (acoplado ao sódio ou não) e é reabsorvido para o capilar peritubular.
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Figura 3: Reabsorção proximal de bicarbonato.
Reabsorção de Água (isosmótica)
No túbulo proximal ocorre cerca de 70% da reabsorção de sódio e água. Quando se consegue reabsorver sódio e água na mesma proporção, se diz que esta reabsorção é isosmótica. Esta é a chamada reabsorção obrigatória da água, sendo que o sódio é reabsorvido e a água também, pois a água segue o sódio por osmose sem nenhum impedimento. Desta forma, a maior parte do volume de água que é filtrado, será reabsorvido no túbulo proximal, retornando ao plasma pelos capilares peritubulares. A reabsorção de água pelo epitélio proximal se dá através das vias transcelular e paracelular. A elevada passagem de água pela célula tubular proximal é devida à alta densidade de canais de água (aquaporinas tipo 1 - AQP1, não sensíveis ao ADH), presentes nas membranas celulares apical e basolateral.
Embora o íon sódio tenha a maior força osmótica, outros solutos reabsorvidos contribuem para aumentar a osmolaridade no interstício o que contribui para a reabsorção osmótica da água através das junções oclusivas entre as células epiteliais. Isso faz com que a água entre no espaço intercelular lateral, aumentando a pressão hidrostática intersticial e favorecendo sua entrada nos capilares peritubulares.
Reabsorção passiva de Cloreto
Como já vimos antes, na parte inicial do túbulo proximal, o íon sódio é reabsorvido com moléculas orgânicas, como a glicose e aminoácidos e o ânion que predominantemente é reabsorvido nesta parte do túbulo proximal é o bicarbonato. Essa reabsorção de sódio inicial estabelece gradiente osmótico para a reabsorção de água por osmose e os íons cloreto são concentrados no lúmen tubular.
Na segunda metade do túbulo proximal, portanto, haverá gradiente eletroquímico para a entrada de cloreto. Ou seja, o transporte dos íons sódio para fora do lúmen, deixa o interior do lúmen com mais carga negativa (se comparado ao líquido intersticial situado no lado basolateral da célula tubular). Esta diferença de cargas transepitelial, faz com que os íons cloreto se difundam, passivamente, pela via paracelular a favor do seu gradiente elétrico e de concentração. Assim, a reabsorção ativa de sódio está ligada à reabsorção passiva de cloreto por meio do gradiente elétrico e do gradiente de concentração (Figura 4).
Figura 4: Reabsorção passiva de cloreto.
Reabsorção passiva paracelular (arraste por solvente)
A reabsorção de cloreto, por sua vez, cria uma diferença de cargas transepitelial positiva no lúmen, o que vai favorecer a reabsorção passiva de cátions (íons com carga positiva) pela via paracelular, entre eles os íons magnésio, cálcio e potássio, além do próprio sódio. Lembre que as junções oclusivas são bastante permeáveis no túbulo proximal, o que favorece também a passagem de água pela via paracelular e o arraste por solvente desse íons.
Aproximadamente 50% da ureia é reabsorvida no túbulo proximal tanto pela via transcelular como paracelular, uma vez que a grande absorção de água neste segmento do túbulo concentra a ureia no lúmen favorecendo sua reabsorção passiva.
Reabsorção proximal de proteínas: Apesar da filtração de proteínas ser muito limitada, há filtração de proteínas pequenas e de uma pequena parte das proteínas maiores. Dependendo da TFG, a filtração de proteínas pode ser expressiva, porém não há perda urinária significativa de proteínas porque elas são praticamente todas reabsorvidas por endocitose e degradadas pelas células de revestimento do túbulo proximal. Porém, elas aparecerão na urina se houver alteração na permeabilidade da membrana de filtração, aumentando excessivamente a carga filtrada e saturando o transporte por endocitose luminal.
Forças de Starling na reabsorção
A filtração glomerular permite a passagem de grande parte do volume do sangue capilar para a cápsula de Bowman, porém não permite a passagem da grande maioria das proteínas, de modo que a pressão hidrostática nos capilares peritubulares estará mais baixa e a pressão oncótica mais alta do que a do interstício tubular, o que favorece a reabsorção de água para os capilares peritubulares. Assim, quanto maior for a TFG maior será a reabsorção tubular.
Balanço Glomerulotubular
O balanço glomerulotubular é um mecanismo de controle onde a taxa de filtração glomerular modifica a reabsorção tubular, mantendo relativamente constante a proporção filtração/reabsorção, a excreção urinária e o volume do líquido extracelular. Por exemplo, se a filtração de sódio aumentar duas vezes, ocorrerá também o dobro da reabsorção proximal de sódio, de modo que seja mantido constante o percentual reabsorvido em relação ao que foi filtrado. Se a TFG for alta, a carga filtrada de sódio será maior, aumentando a reabsorção tubular de sódio, o que aumenta a osmolaridade dos capilares peritubulares e facilita a reabsorção de água.
ALÇA DE HENLE
Reabsorção de Sódio e Água
A alça de Henle é a porção mais importante na regulação da osmolaridade plasmática, e é responsável pela reabsorção de aproximadamente 25% do sódio filtrado. É importante relembrar que os néfrons justamedulares são fundamentais para a concentração da urina, uma vez que possuem as alças mais longas e os vasos retos que as acompanham, constituindo o sistema de contracorrente, o que permite a eliminação de urina com pouca água. Isso se torna especialmente importante em animais que vivem em ambientes muito secos.
A alça de Henle é formada por três segmentos funcionalmente distintos: o segmento descendente fino, o segmento ascendente fino e o segmento ascendente espesso. Os segmentos descendente fino e ascendente fino possuem membranas epiteliais finas, sem bordas em escova, poucas mitocôndrias e atividade metabólica mínima, o que reforça a ideia de que ali ocorrem principalmente transportes passivos e paracelulares. Já a porção ascendente espessa apresenta muitas mitocôndrias, o que indica sua capacidade de realizar transportes ativos, como veremos a seguir.
Cerca de 15% da água filtrada é reabsorvida na alça de Henle e praticamente toda a reabsorção desta água ocorre no segmento descendente fino, sendo este o segmento “concentrador” da urina. A reabsorção de água não é isosmótica já que a reabsorção de água e de sódio ocorrem em porções diferentes da alça e em proporções diferentes. A porção descendente do segmento fino é permeável à água, que sai do túbulo passivamente por força osmótica, desde que haja hipertonicidade no interstício medular, estabelecendo gradiente osmótico entre o lúmen tubular e o interstício. Também é quase impermeável à maioria dos solutos, e à medida que avança pela alça de Henle descendente o filtrado se torna cada vez mais concentrado gerando um gradiente osmótico em direção à papila renal.
O componente ascendente, incluindo tanto a porção fina quanto a espessa, é impermeável à água, característica importante para a concentração da urina. Dessa forma, este é o segmento “diluidor” da alça. No segmento fino ascendente a capacidade de reabsorção de solutos é bem menor do que a do segmento espesso. Todavia, o cloreto e o sódio são reabsorvidos passivamente nesta porção da alça, uma vez que a reabsorção de água no ramo descendente concentrou esses íons no lúmen tubular. Aqui também pode ocorrer secreção passiva de ureia.
Já no segmento espesso da alça de Henle, que inicia na metade da porção ascendente da alça, as células epiteliais apresentam alta atividade metabólica e são capazes de reabsorver ativamente íons sódio, cloreto e potássio. Como já mencionado, na membrana basolateral a bomba sódio-potássio retira sódio da célula gerando o gradiente necessário para o simporte que leva do lúmen para o espaço intracelular dois cloretos, um sódio e um potássio (Figura 5). Este transportador é inibido pelos chamados diuréticos de alça (p.ex. furosemida).
Cerca de 25% das cargas filtradas de sódio, cloreto e potássio são reabsorvidos na alça de Henle, sendo a maior parte no componente ascendente espesso.
Quantidades importantes de outros íons como cálcio e magnésio, também são reabsorvidas na alça de Henle ascendente espessa, porém pela via paracelular, em um transporte passivo favorecido pela diferença de cargas lúmen positiva gerada pelo vazamento de íon potássio para o lúmen.
Os íons sódio e o potássio também são reabsorvidos passivamente pela via paracelular, o que corresponde a cerca de 50% da reabsorção de íon sódio neste segmento da alça de Henle.
Neste segmento, também existe o contratransporte dos íons sódio e hidrogênio, o que contribui para a reabsorção de sódio e de bicarbonato, do mesmo modo que ocorre no túbulo proximal.
Como na porção ascendente o túbulo é impermeável à água, e NaCl é reabsorvido, o filtrado torna-se diluído e chega ao túbulo distal com metade da osmolaridade que havia chegado no início da alça e hiposmótico em relação ao plasma. Assim, o interstício se torna hipertônico e gera a força necessária para a reabsorção de água no néfron distal sob controle do hormônio ADH.
Figura 5: Porção Ascendente da Alça de Henle.
TÚBULO DISTAL
O túbulo distal pode ser dividido em duas porções: túbulo distal inicial e final. A parte inicial do túbulo distal é funcionalmente semelhante à porção espessa da alça de Henle ascendente, enquanto a parte final do túbulo distal se assemelha ao ducto coletor.
Túbulo Distal Inicial
Essa porção do néfron é uma continuação da alça ascendente espessa, sendo também impermeável à água e contribui para diluir ainda mais o lúmen tubular, uma vez que nesta porção também ocorre reabsorção de sódio e cloreto.
O principal transportador de NaCl nesta porção do néfron é o simporte NaCl eletroneutro na membrana luminal. Este transportador é alvo da ação de medicamentos diuréticos chamados de tiazídicos (hidroclorotiazida, clorotiazida, etc.), medicamentos amplamente usados no tratamento da hipertensão arterial sistêmica. O bloqueio desse transportador causa acúmulo destes íons no lúmen tubular, aumentando a osmolaridade luminal e a diurese. Na membrana basolateral, o íon sódio sai da célula pela bomba e o cloreto sai passivamente por canais.
Túbulo Distal Final e Coletor
A parte final do túbulo distal, também chamada de túbulo conector, e o ducto coletor reabsorvem cerca de 7% do NaCl filtrado. Essas duas porções do néfron são consideradas funcionalmente como uma só, pois possuem os mesmos tipos celulares e transportadores. Das células presentes nessas duas regiões, duas merecem destaque: as células intercaladas e as células principais.
As células intercaladas são importantes no equilíbrio ácido-base, podendo secretar bicarbonato ou hidrogênio, dependendo do tipo celular (A ou B). Estas células, assim como as células do túbulo proximal, possuem a enzima anidrase carbônica no seu citoplasma, que catalisa a reação que converte H2O + CO2 em ácido carbônico (H2CO3), o qual se dissocia em HCO3 e H . Devido ao seu papel fundamental no ajuste fino do equilíbrio ácido-base, a função das células intercaladas será abordada mais adiante, no item que vai estudar o papel do rim no equilíbrio ácido-base.
As células principais reabsorvem sódio e água e secretam potássio. Como sempre, a bomba sódio potássio na membrana basolateral é responsável por manter o gradiente de sódio, que entra por difusão por canais (ENaC) presentes na membrana luminal. O íon potássio, que entra pela bomba em troca por sódio, sai na membrana luminal, também passivamente por canais. O cloreto será reabsorvido por via paracelular nas células principais, movido pelo déficit de carga positiva luminal gerado pela reabsorção de sódio (Figura 6).
As células principais são alvo do hormônio aldosterona, do PNA (peptídeo natriurético atrial) e do ADH para manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico, como veremos a seguir.
Aldosterona
A aldosterona é um hormônio esteroide sintetizado no córtex da glândula adrenal, que age nas células principais presentes nos túbulos distal e coletor no néfron, da seguinte forma:
- Por ser um hormônio hidrofóbico, passa livremente pela membrana da célula principal e encontra seu receptor no citoplasma;
- O complexo hormônio-receptor estimula a transcrição gênica no núcleo celular e a síntese de proteínas;
- A síntese de canais de sódio e bombas Na /K aumenta, sendo que os canais de sódio se dispõem na membrana apical e a bomba na membrana basolateral;
- Como resultado, há maior reabsorção de sódio e maior secreção de potássio nos túbulos distal e coletor.
- Além disso, a aldosterona aumenta a síntese de enzimas envolvidas na produção de ATP, importante para alimentar o consumo de ATP da bomba Na /K .
- A aldosterona também aumenta a secreção passiva do íon potássio e a secreção ativa distal de hidrogênio.
Este processo pode ser observado na Figura 6:
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+ +
Figura 6: Célula principal do túbulo distal.
ADH
O hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina é um hormônio proteico, produzido por neurônios dos núcleos supraóptico e paraventricular no hipotálamo e armazenado na neuro-hipófise. Quando os neurônios hipotalâmicos recebem estímulo para liberação de ADH, ocorre despolarização desses neurônios e o ADH é secretado por exocitose nos capilares neuro-hipofisários. Assim, pela corrente sanguínea o ADH chega às células principais, onde atua aumentando a reabsorção tubular de água, da seguinte forma (Figura 7):
- Por ser um hormônio hidrofílico, não entra facilmente na célula principal e encontra seu receptor na membrana celular;
- O complexo hormônio-receptor estimula a síntese do AMPc (proteína Gs – adenilciclase – AMPc);
- O AMPc ativa a proteína cinase A (PKA), que vai inserir na membrana apical as aquaporinas (tipo 2) armazenadas na célula;
- A síntese de canais de água (aquaporinas) também aumenta, os quais se dispõem na membrana apical;
- Como resultado, há maior reabsorção de água nos túbulos distal e coletor.
- O ADH também aumenta a reabsorção de ureia nos túbulos coletores medulares, a qual contribui para a hipertonicidade na medula renal.
A figura 7, mostra o modo de ação do ADH no néfron distal para aumentar a reabsorção de água.
Figura 7: Ação do ADH nas células do ducto coletor.
CONTROLE HORMONAL DA REABSORÇÃO TUBULAR DE ÁGUA E SÓDIO
Ação e Regulação da Aldosterona, ADH e PNA
A aldosterona é produzida no córtex da glândula adrenal. Exerce seus efeitos nos túbulos distal e coletor aumentando a síntese da bomba Na / K ATPase e de canais de sódio e a síntese das enzimas produtoras de ATP. Como resultado, esse hormônio promove maior reabsorção de sódio e secreção de potássio. O ADH diminui a diurese, aumentando o volume plasmático.Tanto ADH quanto o sistema renina-angiotensina-aldosterona são estimulados com o objetivo de aumentar o volume e a pressão sanguínea. O PNA é secretado pelas células musculares atriais e faz parte de uma família de peptídeos cuja função é reduzir a reabsorção tubular de sódio, produzir vasodilatação e aumento da diurese. Além disso, o PNA inibe o sistema renina-angiotensina-aldosterona, contribuindo para diminuir o volume plasmático e a pressão arterial. Assim, o balanço entre as ações desse conjunto de hormônios será responsável pelo ajuste final do equilíbrio hidroeletrolítico de modo a manter o volume do líquido extracelular nos níveis adequados.
Estímulos para a secreção de Aldosterona
Basicamente a aldosterona possui três estímulos para sua secreção:
• ACTH – Hormônio adrenocorticotrófico; sua ação é mais importante para o cortisol do que para a aldosterona.
• Hiperpotassemia (lembre que uma das ações desse hormônio é excretar potássio);
• Angiotensina II.
Como dito anteriormente, a angiotensina II é produzida a partir do angiotensinogênio, um zimogênio produzido no fígado que é convertido em angiotensina I pela renina (produzida no rim). A angiotensina I é convertida em angiotensina II por ação da enzima ECA (enzima conversora de angiotensina) presente em vários epitélios, especialmente no epitélio pulmonar. A angiotensina II age:
• Estimulando a secreção de aldosterona;
• Causando a constrição dos vasos sanguíneos, o que aumenta a pressão arterial;
• Aumentando a sede;
• Aumentando o desejo pelo sal;
• Estimulando a secreção de ADH.
Estímulos para a secreção de renina
• Queda de pressão na arteríola aferente;
• Queda do sódio nos sensores da mácula densa;
• Estímulo pelo sistema nervoso simpático.
Todos esses estímulos indicam baixo volume plasmático, então a resposta hormonal terá o objetivo de normalizar esta variável.
+ +
Figura 8: Ativação do SRAA em resposta à queda da pressão arterial.
PNA – Peptídeo Natriurético Atrial
É um hormônio produzido no átrio, estimulado pela distensão de sua parede, indicando aumento do volume plasmático. Exerce sua ação de uma maneira oposta à ação do sistema renina-angiotensina-aldosterona:
• Estimula a excreção de sódio pela urina, inibindo sua reabsorção tubular;
• aumenta a TFG (vasodilatação da arteríola aferente) e da diurese;
• Vasodilatação na circulação sistêmica;
• diminui a produção de renina, ou seja, diminui também a liberação da aldosterona;
• inibe a secreção de ADH.
Todas essas respostas convergem para aumento do volume urinário e, como consequência, queda da pressão arterial.
Cálcio
O íon cálcio é livremente filtrado (o cálcio ligado a proteínas não é filtrado) e cerca de 70% é reabsorvido no túbulo proximal, 20% na alça de Henle e 9% no néfron distal. A maior parte da reabsorção proximal se dá pela via paracelular, tanto pelo gradiente elétrico favorável (lúmen negativo) como pelo arraste pelo solvente. Uma parcela menor entra por canais na membrana apical e é bombeado para o interstício pelo trocador 3Na-Ca e por uma Ca ATPase . O íon cálcio também é reabsorvido no segmento espesso da alça de Henle, principalmente de forma passiva dependente do gradiente elétrico gerado pela reabsorção de sódio. No túbulo distal, a reabsorção de cálcio é apenas transcelular e ativo, e é ponto de regulação hormonal, especialmente pelo hormônio da paratireoide (PTH).
Potássio
O íon potássio, do mesmo modo que os demais íons, é livremente filtrado. Ele também é reabsorvido e secretado no néfron, de modo que sua excreção vai variar muito, dependendo de vários fatores, como a ingestão na dieta, a ação da aldosterona e o equilíbrio ácido-base.
No túbulo proximal e alça de Henle (segmento espesso) o potássio é reabsorvido, chegando no túbulo distal aproximadamente 10 a 30% da carga filtrada.
No néfron distal, ocorrerá secreção de potássio nas células principais, sempre que a dieta tiver sobrecarga de potássio, por ação da aldosterona ou quando há alcalose. A alta concentração intracelular de potássio gera o gradiente para a secreção passiva na membrana luminal. Assim, qualquer fator que contribua para esse gradiente facilitará sua secreção, como a ação da aldosterona, a dieta rica em potássio e a redução de íons hidrogênio no plasma (alcalose).
Enquanto as células principais do túbulo distal secretam potássio (acoplado à reabsorção de íon sódio), as intercaladas reabsorvem potássio, fazendo o ajuste fino da sua excreção urinária. Nas células intercaladas do tipo A, o íon potássio é reabsorvido por um antiporte em troca pelo íon hidrogênio na membrana luminal (Figura 28).
Ureia
A ureia é gerada pelo metabolismo proteico (desaminação dos aminoácidos) e seus níveis plasmáticos serão proporcionais à ingestão de proteínas. A ureia é livremente filtrada e cerca de 50% dela é reabsorvida no túbulo proximal por via paracelular. Na alça de Henle, ela volta aos túbulos por secreção nas porções finas da alça, enquanto nos ductos coletores medulares ela é reabsorvida novamente, formando um ciclo que contribui para a hipertonicidade medular e a reabsorção de água. Na verdade, a reabsorção de água nos túbulos distais e coletores corticais concentra a ureia no lúmen dos túbulos coletores medulares, o que leva a sua reabsorção passiva (difusão facilitada), por transportadores sensíveis ao ADH. Assim, quanto maior a reabsorção tubular de água (baixo fluxo urinário), maior será a reabsorção de ureia.
Desse modo, a ureia contribui de forma significativa para a hipertonicidade medular e o gradiente osmótico estabelecido no interstício renal, responsáveis pela concentração da urina. A excreção de ureia acaba sendo de aproximadamente 50% da carga filtrada.
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Nas células intercaladas do tipo A, o íon potássio é reabsorvido por um transporte ativo (bomba) em troca pelo íon hidrogênio na membrana luminal. Sabe-se que na acidose, o aumento da concentração intracelular de íons hidrogênio estimula essa bomba, aumentando a secreção luminal de hidrogênio e a reabsorção tubular do íon potássio. Você acha que em uma situação de aumento plasmático de potássio, a excreção renal de hidrogênio seria alterada? Justifique.
SECREÇÃO TUBULAR
Secreção é a transferência de moléculas do líquido extracelular para o lúmen do néfron (do plasma sanguíneo para o lúmen dos túbulos renais). Do mesmo modo que os mecanismos de transporte da reabsorção, os da secreção podem ser ativos ou passivos. Portanto, podem exigir ou não a utilização de energia pela célula para a sua execução.
Um aspecto importante da secreção é a mesma ser diretamente proporcional ao aumento da excreção de determinada substância. Quando determinada substância filtrada não é reabsorvida nem secretada, ela é totalmente excretada (é o caso da inulina). Se a substância filtrada para dentro do túbulo não é reabsorvida e ainda é secretada para dentro do mesmo, a excreção é ainda mais eficaz (caso da penicilina). Ainda há o caso da substância que não é filtrada, mas é secretada para os túbulos, garantindo sua excreção. Alguns compostos podem estar ligados a proteínas e, por isso, não são filtrados. Porém, serão removidos do plasma por secreção a partir dos capilares peritubulares.
No túbulo proximal, há grande parte da reabsorção de água e solutos, mas também ocorre secreção de solutos, especialmente medicamentos e compostos exógenos, mas também ânions e cátions orgânicos, como creatinina, acetilcolina, sais biliares, urato, oxalato, etc. No túbulo proximal, também há secreção de amônia e íon hidrogênio.
Enquanto no túbulo proximal, o íon hidrogênio é secretado por um antiporte com o sódio, nas células intercaladas do tipo A do túbulo distal, essa secreção depende de uma bomba luminal de hidrogênio (H ATPase); veja na figura 9.
Nem todo o potássio secretado para o lúmen por ação da aldosterona é excretado na urina, uma parte é reabsorvida no próprio túbulo distal e coletor. Essa ação envolve a célula intercalada A ou alfa, que reabsorve potássio via bomba H /K ATPase, ou seja, secreta H no lúmen do túbulo em troca por potássio que é reabsorvido. Além disso, essa célula secreta ativamente íons hidrogênio usando uma H ATPase presente na membrana luminal. Essa ação pode ser observada na Figura 9.
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Figura 9: Célula intercalada A ou alfa.
O cloreto é reabsorvido ativamente nas células intercaladas do tipo B (ou beta) em troca por bicarbonato na membrana luminal, enquanto o íon hidrogênio está sendo reabsorvido (Figura 10).
Figura 10: Célula intercalada B ou beta.
Secreção de Ácido
A secreção do íon hidrogênio nos túbulos renais inicia no túbulo proximal, mas nessa porção do néfron ele não altera o pH da urina porque ele se junta ao bicarbonato formando ácido carbônico e logo entra novamente na célula tubular como CO2. Na parte final do túbulo distal o hidrogênio é secretado pelas células intercaladas, por um antiporte com potássio ou por uma bomba de hidrogênio (H ATPase) luminal.
A acidose intracelular é um dos fatores que acaba aumentando a secreção de hidrogênio, tanto porque a pCO2 está alta como porque a concentração de potássio intracelular está baixa. A aldosterona é um regulador que aumenta a secreção de íons hidrogênio no túbulo distal.
Secreção de Amônia
Quando as proteínas são degradadas, o nitrogênio constituinte dos aminoácidos gerados dá origem aos íons amônio (NH4 ), os quais dependendo do pH podem formar amônia (NH3). A amônia é lipossolúvel e pode entrar nas células por difusão, ao contrário da sua forma ionizada que é menos permeável. O íon amônio é sintetizada a partir da glutamina no túbulo proximal e secretado no lúmen tubular, em troca por sódio. Para cada íon amônio formado, um novo bicarbonato é formado e enviado ao interstício e depois capilares.A amônia produzida a partir do íon vai para o lúmen onde se unirá ao íon hidrogênio formando íon amônio novamente, o qual será reabsorvido na alça de Henle ascendente, sendo depois novamente secretado nos túbulos coletores como amônia.
Lembrando:
- Para cada íon hidrogênio secretado no túbulo renal, um bicarbonato é reabsorvido para o interstício renal e daí para os capilares e circulação sanguínea;
- A glutamina é metabolizada no túbulo proximal em:
- Íon amônio (NH4+), que vai para a urina;
- Bicarbonato (HCO3-), que vai para os capilares sanguíneos.
EXCREÇÃO
A produção de urina é o resultado de um conjunto de processos que acontecem no rim (filtração, reabsorção e secreção). Quando o líquido filtrado chega à porção final do néfron, possui pouca semelhança com aquele que foi filtrado para a cápsula de Bowman. Glicose, aminoácidos e metabólitos importantes inicialmente presentes desaparecem do filtrado devido ao processo de reabsorção destas substâncias para o sangue. Além disso, outras substâncias podem ser incorporadas ao filtrado por efeito da secreção tubular e serem excretadas sem terem sido filtradas.
Excreção = filtração + secreção – reabsorção.
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