Sistema Urinário
Falamos em Fisiologia Renal porque os rins são os órgãos responsáveis pela formação da urina, mas os rins são parte do sistema urinário, ou excretor, que é composto também de outras estruturas que conduzem a urina do rim até o meio externo. O rim participa da manutenção da homeostase, especialmente porque controla o balanço da água e eletrólitos do corpo e elimina produtos indesejáveis sem perder os que são necessários para o bom funcionamento do organismo.
Figura 1: Corte sagital do rim.
PRINCIPAIS FUNÇÕES
Excreção - Os rins fazem a remoção de metabólitos, especialmente os nitrogenados, e também de substâncias exógenas. Alguns exemplos são: a creatinina, que é um subproduto do metabolismo muscular, a ureia originada a partir do metabolismo das proteínas e o ácido úrico, que é resultado da degradação das purinas (adenina e guanina - bases nitrogenadas componentes fundamentais do DNA e do RNA, presentes em muitos alimentos).
Você sabia?
A “gota” é uma inflamação das articulações causada pelo excesso de ácido úrico. Nesses casos, é recomendável uma dieta com concentrações moderadas de purinas (carne vermelha, frutos do mar, peixes, ervilha, lentilha e feijão e bebidas alcoólicas).
Conservação de nutrientes - O rim impede que o organismo perca na urina nutrientes como a glicose, aminoácidos e proteínas, seja porque estes são reabsorvidos nos túbulos ou não são filtrados.
Equilíbrio hidroeletrolítico - O rim é responsável pelo controle hídrico e eletrolítico, ou seja, controle do volume de líquido extracelular (volemia) e dos níveis plasmáticos dos íons, como sódio (natremia), cálcio (calcemia) e potássio (potassemia ou calemia). Esse controle envolve os processos de filtração glomerular, reabsorção e secreção nos túbulos renais e tem a participação dos hormônios ADH (hormônio antidiurético), PNA (peptídeo natriurético atrial) e aldosterona. Os mecanismos de ação e os efeitos destes hormônios serão discutidos neste capítulo.
Produção de hormônios - Apesar dos rins não serem glândulas endócrinas, eles têm papel importante em algumas vias endócrinas. Nos rins acontece a produção de eritropoietina (EPO). Este hormônio é responsável por controlar a síntese de eritrócitos (hemácias) num processo denominado eritropoiese. Neste órgão, também acontece a ativação do 25-hidroxicolecalciferol através de uma segunda hidroxilação desta molécula que tem como produto a 1,25 (OH)2 D ou, de forma simplificada, a forma ativa do hormônio vitamina D. Outra ação importante do rim, diz respeito à produção de renina. A renina é uma enzima que tem a função de produzir angiotensina através da clivagem do seu precursor inativo ou zimogênio, o angiotensinogênio. Ambos fazem parte de um complexo sistema que contribui para o controle da pressão arterial e do volume extracelular: sistema renina-angiotensina-aldosterona.
Pressão Arterial - O rim tem um importante papel na regulação da pressão arterial, uma vez que controla a quantidade de água e eletrólitos eliminados na urina. O rim é alvo da ação do hormônio ADH, que diminui a diurese, aumentando o volume plasmático e a pressão arterial. Como o rim produz renina, uma enzima que tem participação na síntese de angiotensina, há uma significativa participação deste órgão nos processos de vasoconstrição mediados pela angiotensina II, o que aumenta a resistência periférica ao fluxo de sangue. Além disso, todo o evento fisiológico que aumenta a volemia, terá influência direta na variação da pressão arterial. A angiotensina II aumenta a produção de aldosterona e este hormônio aumenta a reabsorção de sódio e, por consequência, gera reabsorção renal de água. Se ocorre a reabsorção renal de água, o volume de sangue aumenta e consequentemente o volume ejetado a cada sístole também aumenta (volume sistólico). Com o aumento do volume sistólico, ocorre um aumento do débito cardíaco e, em proporção direta, a pressão arterial se eleva.
Os rins recebem de 20 a 25% do débito cardíaco, mesmo constituindo menos de 0,5% da massa corpórea. Esta alta taxa de fluxo sanguíneo através do rins é crítica para a função renal.
Equilíbrio ácido-base - A homeostase do pH é mantida em uma estreita faixa com o auxílio dos tampões, do sistema respiratório (pulmões) e dos rins. O primeiro ataque frente ao desequilíbrio ácido-base é feito pelos tampões. Os tampões biológicos são moléculas capazes de se ligar aos íons livres causadores deste desequilíbrio e consequentemente diminuir a disponibilidade dos mesmos. Quando o líquido extracelular se torna muito ácido, os rins removem os prótons hidrogênio (H+) e conservam o bicarbonato (HCO3-). Por outro lado, quando o líquido extracelular se torna alcalino, os rins removem o bicarbonato (HCO3-) e conservam o próton hidrogênio (H+). É importante ressaltar, que as correções nas alterações do pH exercidas pelos rins, não são tão rápidas como as dos pulmões. O sistema respiratório contribui para o equilíbrio ácido-base eliminando mais ou menos CO2 na expiração.
Você sabia?
Em pacientes com insuficiência renal crônica e com prejuízo funcional do órgão, é comum o uso da suplementação de eritropoietina (EPO) em virtude da produção deficiente deste hormônio, evitando um possível quadro de anemia.
Entretanto, nos últimos 25 anos, uma parte da produção de EPO sintética chegou às mãos de atletas. Há alguns anos, um ex-campeão de ciclismo, confessou ter tomado EPO por vários anos e durante os últimos dois anos de sua carreira, conviveu com muitos outros ciclistas que estavam usando EPO. Porém, junto com a melhora na performance decorrente do efeito da EPO, veio uma série de mortes controversas entre ciclistas de alta performance.
No início da década de 90, dezoito ciclistas belgas e holandeses morreram abruptamente, levantando suspeitas que os usuários não conheciam o risco do uso da EPO como recurso ergogênico.
O doping com EPO gera um aumento na produção de células vermelhas e uma consequente melhora no desempenho. Todavia, o aumento de eritrócitos através do doping, modifica substancialmente a densidade sanguínea e este aumento pode provocar obstruções vasculares, isquemias, infarto e até morte.
Revisão de anatomia do rim
O sistema urinário é formado pelos rins, que formam a urina, e estruturas acessórias responsáveis por conduzir a urina do rim ao meio externo. Os rins são órgãos pares, que estão localizados na região abdominal, de cada lado da coluna vertebral dorsolombar, atrás do peritônio (retroperitoneal). Dos rins, saem os ureteres que levarão a urina até a bexiga, que armazena a urina até que esta seja eliminada, passando pela uretra, em um processo chamado de micção (Figura 2).
Figura 2: Sistema urinário.
Observando-se um corte sagital do rim, vemos a estrutura interna do rim (Figura 3):
Figura 3: Estrutura interna do rim
Córtex renal – Região mais externa, clara, onde se localizam os néfrons corticais, túbulos proximais e distais, corpúsculos renais e parte das alças de Henle.
Medula renal – Região mais interna do parênquima renal, escura, onde estão as pirâmides renais, ductos coletores e parte das alças de Henle. Na extremidade das pirâmides estão as papilas, onde passa a urina formada nos néfrons e desemboca nos cálices (Figura 4).
Cálices – Coletam a urina a partir das papilas renais e a liberam na pelve.
Pelve renal – Tubo em forma de funil para onde confluem os cálices e que leva a urina até o ureter.
Conexão vascular-tubular – A função renal depende de uma boa comunicação entre os vasos renais e o néfron, uma vez que a urina é formada a partir do sangue inicialmente filtrado (dos capilares glomerulares para a cápsula de Bowman), e que sofrerá modificações ao passar pelos túbulos renais, sempre mediante trocas entre os capilares e o lúmen tubular (secreção e reabsorção tubular).
Figura 4: Conexão vascular-tubular.
Vascularização Renal
A artéria renal, ramo da aorta abdominal, entra no rim pelo hilo na borda medial de cada rim e então se divide progressivamente formando as artérias segmentares, interlobares, artérias arqueadas, artérias interlobulares (também chamadas de radiais) e arteríolas aferentes, que terminam nos capilares glomerulares, onde grandes quantidades de líquidos e solutos serão filtradas iniciando a formação da urina.
O sangue não filtrado segue pela arteríola eferente até uma nova rede capilar (capilares peritubulares ou vasos retos) e depois para veias que acompanham o trajeto das artérias (e possuem o mesmo nome das artérias), deixando o rim pelas veias renais em direção à veia cava inferior (Figura 5).
Figura 5: Caminho do sangue no rim.
Caminho do sangue no néfron - O sangue chega no néfron pela arteríola aferente e o que não for filtrado nos capilares glomerulares segue pela arteríola eferente e por uma nova rede de capilares em torno dos túbulos. Esse arranjo, forma um sistema porta e garante uma alta pressão nos capilares glomerulares, favorecendo a filtração (figura 6).
Figura 6: Sistema porta-arterial (corpúsculo renal).
Arteríola aferente – O sangue que vem da artéria renal passa por artérias menores e entra no glomérulo através da arteríola aferente. A arteríola aferente tem diâmetro maior que a eferente, o que resulta na pressão sanguínea alta no glomérulo. Esta pressão será importante, pois irá impulsionar os líquidos e os solutos para dentro da cápsula de Bowman = filtração glomerular.
Glomérulo – Um tufo de alças capilares, originado da arteríola aferente, onde ocorre a filtração glomerular.
Arteríola eferente – O sangue deixa o glomérulo através da arteríola eferente e irá até os capilares peritubulares ou até um tipo particular de capilares peritubulares, chamados de vasos retos.
Capilares peritubulares – São um conjunto de capilares que circundam os túbulos. Surgem a partir das arteríolas eferentes que recebem o sangue que não foi filtrado nos glomérulos. Desembocam nas vênulas próximas, são porosos e com baixa pressão. Reabsorvem prontamente os solutos e a água das células tubulares à medida que essas substâncias são retiradas do filtrado.
Capilares ou vasos retos - São ramos capilares que se originam da arteríola eferente e se distribuem na medula renal. Envolvem as alças de Henle e estão associados aos néfrons justamedulares.
O Néfron
Néfron (unidade funcional do rim) – são túbulos microscópicos distribuídos nas camadas externa (córtex) e interna (medula) do parênquima renal (Figura 7).
O néfron é a unidade funcional do rim, o que significa dizer que é a menor estrutura capaz de realizar todas as funções do órgão. Cada rim possui cerca de 1 milhão de néfrons. Aproximadamente 80% dos néfrons estão localizados na região cortical, os outros 20%, chamados de justamedulares, se projetam na região medular.
Os néfrons são compostos pelo corpúsculo renal (capilares glomerulares + cápsula de Bowman), onde ocorre a filtração glomerular e um conjunto de túbulos onde podem ocorrer modificações na composição do filtrado por meio da troca de substâncias entre o lúmen tubular e os capilares que se relacionam com os túbulos (secreção e reabsorção tubular de substâncias).
Figura 7: Néfron (unidade funcional do rim).
Partes do Néfron
Cápsula de Bowman (cápsula glomerular) – Estrutura oca e semelhante a uma taça, localizada na porção inicial do néfron, que recebe o conteúdo filtrado a partir dos capilares glomerulares. O conjunto formado pela cápsula de Bowman e o glomérulo é denominado corpúsculo glomerular.
Túbulo contorcido (convoluto) proximal – Segmento que continua a partir da cápsula de Bowman onde ocorre a maior parte da reabsorção de água e sódio, aproximadamente 70 a 80%.
Alça de Henle – Porção intermediária em “U” que segue em direção à medula e depois retorna em direção ao córtex renal. É composta por um ramo fino descendente, um ramo fino ascendente e um ramo grosso ascendente.
Túbulo contorcido (convoluto) distal – Drena para os ductos coletores. Os túbulos distais de até oito néfrons drenam para um único ducto coletor. Juntamente com a alça de Henle são sensíveis ao ADH e à Aldosterona.
Ducto coletor* – Se dirigem do córtex para a medula renal e drenam nas papilas para a pelve renal. Da pelve renal, o líquido filtrado e modificado será chamado de urina e seguirá ao ureter com destino à excreção na urina.
*Como o ducto coletor recebe a urina produzida em vários néfrons, alguns autores consideram que ele não faz parte do néfron e sim de vários néfrons simultaneamente.
Sistema justaglomerular – Sistema que fica ao lado ou próximo do glomérulo. Neste caso, no pólo vascular do corpúsculo. É formado pelas células granulares (produtoras de renina), também chamadas de células justaglomerulares, pela mácula densa (que possui quimiorreceptores sensíveis ao NaCl presente no filtrado) e pelas células mesangiais extraglomerulares.
Você Sabia?
A alça de Henle, é uma das principais responsáveis pela concentração da urina nos néfrons. Animais que vivem em ambientes secos, como os desertos, possuem uma variação anatômica importante na estrutura do néfron.
A alça de Henle destes animais é muito longa e esta adaptação propicia uma menor perda de água, uma estratégia interessante num ambiente de água escassa.
Caminho da urina - A urina começa a ser formada nos néfrons pela filtração sanguínea, que ocorre nos capilares glomerulares. O filtrado, ou seja, aquilo que consegue passar pela membrana de filtração, sai dos capilares glomerulares e entra na cápsula glomerular de Bowman; a partir daí, o filtrado segue o caminho dos túbulos renais (túbulo proximal, alça de Henle, túbulo distal e ducto coletor). Os ductos coletores desembocam nas papilas renais e a urina flui para a pelve renal passando pelos cálices menores e cálices maiores. Da pelve renal, segue pelo ureter até a bexiga urinária e daí passa pela uretra e chega ao meio externo.
Distribuição de água nos compartimentos corporais
O organismo humano tem aproximadamente 60 a 70% da sua composição formada por água, sendo que estes valores variam dependendo do sexo, da idade e da gordura corporal. Deste percentual, 2/3 estão dentro das células (líquido intracelular) e 1/3 fora das células (líquido extracelular) (Figura 8).
O líquido extracelular (LEC) é também chamado de meio interno, e é composto de líquido intersticial ou intercelular (que banha as células) e intravascular (contido nos vasos sanguíneos). O líquido intersticial corresponde a cerca de 75% do LEC, enquanto o plasma (parte líquida do sangue) contém apenas 25% do LEC. Existe também um pequeno compartimento extracelular (1 a 3% do peso corporal) que possui composições e funções específicas, chamado de transcelular, que inclui o líquido localizado em cavidades, como o líquido sinovial, pericárdico, pleural, peritoneal, intraocular, cefalorraquidiano, etc.
Para que as células sobrevivam, elas precisam realizar trocas com o líquido extracelular, de modo a eliminar os resíduos do metabolismo celular e obter os componentes nutricionais necessários. Assim, as células se relacionam com o líquido intersticial através da membrana celular, por meio de mecanismos de transporte seletivo. O líquido intersticial é separado do plasma através da parede capilar, endotélio poroso que permite o fluxo de substâncias entre estes dois compartimentos, de modo que suas composições são bastante parecidas (exceto pelas proteínas). Apesar do pequeno volume do plasma, é sobre as variáveis plasmáticas que atuam os principais mecanismos de regulação homeostática, para manter o bom funcionamento do organismo, como veremos em toda a fisiologia.
Figura 8: Distribuição de água nos compartimentos corporais.
Equilíbrio Hídrico
As perdas e a necessidade de água podem variar de acordo com as condições ambientais e fisiológicas e a entrada e saída de água deverão ser ajustados de modo a manter a água corporal nos níveis adequados.
Entrada de água
Água que se bebe + água dos alimentos = 2 a 2,5 litros por dia
Água endógena = 0,3 a 0,5 L (metabolismo)
Saída de água
Urina = 1-1,5 litros/dia
Fezes = 0,1 litros (100 mL)/dia
Insensível (respiração), suor = pequena quantidade; depende da temperatura e da atividade física
Para manter o equilíbrio hídrico, apesar das variações ambientais e fisiológicas, o organismo dispõe de vários mecanismos que permitem regular a entrada e saída de água do corpo.
A principal regulação do equilíbrio hídrico se dá pelo controle do volume de urina (diurese) e pelo controle da sede. Os estímulos que aumentam a reabsorção renal de água, também aumentam a ingestão de água, sendo que o principal deles é o ADH – Hormônio Antidiurético. O ADH tem como grande função a reabsorção de água nos túbulos renais, o que diminui a perda urinária de água e aumenta o volume plasmático. Este hormônio será liberado sempre que houver baixa volemia ou hiperosmolaridade plasmática. Além de diminuir a perda de água na urina, ele aumenta a sede, juntamente com a Angiotensina II e também provoca vasoconstrição*, quando está em grandes concentrações. Todos esses efeitos em conjunto aumentam a quantidade de água do corpo, e consequentemente o volume plasmático, e a pressão arterial.
*Vasoconstrição: por seu efeito vasoconstritor, o ADH é chamado também de vasopressina.
É lógico pensar que o aumento da ingestão de água deverá aumentar o volume de urina eliminada. Nesse caso, o ADH deverá ser inibido, permitindo que a diurese aumente eliminando o excesso de água ingerida. Quando tomamos 300 mL de “cerveja” o volume de urina eliminado é maior do que se tomarmos 300 mL de água. Como você justificaria isso?
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