SECREÇÃO
A secreção refere-se à transferência ou liberação de substâncias (muco, enzimas, etc.) para o lúmen do tubo digestivo por células da mucosa ou por glândulas. Podemos pensar como se fosse o mecanismo inverso da absorção, porque o transporte das moléculas se dá no sentido inverso. Neste caso, estamos falando de secreção exócrina. A secreção também pode ocorrer para o meio interno, caracterizando a secreção endócrina, a qual será mencionada ao ser abordado cada órgão do TGI.
O sistema digestório é formado pelo tubo digestivo e suas glândulas anexas, as quais secretam enzimas, eletrólitos, muco, proteínas, etc no lúmen do tubo, desde a cavidade oral até o intestino. Embora existam células na mucosa que secretam hormônios, no chamado sistema endócrino difuso, as glândulas anexas do TGI são glândulas exócrinas, pois apresentam ductos que conduzem a secreção para o interior de uma cavidade corporal. Esses produtos de secreção podem atuar protegendo e lubrificando o tudo digestivo, degradando macromoléculas contidas nos alimentos e possibilitando sua absorção através da parede intestinal.
A seguir, estudaremos as características dessas glândulas e das suas secreções, iniciando com a secreção salivar liberada na cavidade oral, seguida pela secreção gástrica, liberada no estômago e pela secreção pancreática e biliar, liberadas no intestino delgado. Não estão incluídas neste capítulo a secreção de mucina, água e eletrólitos que ocorrem no esôfago e intestino, porém estas secreções serão estudadas nos capítulos que tratam da motilidade e da digestão e absorção.
SECREÇÃO SALIVAR
Antes de considerarmos as características estruturais das glândulas salivares, veremos as principais funções dessa secreção, que são basicamente digestão e proteção:
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Digestão: contém enzimas que iniciam a digestão de lipídeos e polissacarídeos.
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Lubrificação: o muco lubrifica superfícies orais e faríngeas, protegendo a mucosa de lesão mecânica; facilita a fala, a mastigação e a deglutição.
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Proteção contra microrganismos: possui componentes com ação bactericida e bacteriostática.
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Tampão: tampona ácidos provenientes dos alimentos, do estômago ou produzidos por bactérias, dificultando a formação de cáries.
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Limpeza: auxilia na higienização da mucosa oral, removendo restos de alimentos alojados entre os dentes.
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Solubilização e diluição dos alimentos: facilita a entrada de moléculas nas papilas gustativas, favorecendo a percepção do paladar; resfria ou aquece os alimentos.
ESTRUTURA DAS GLÂNDULAS SALIVARES
As glândulas exócrinas são constituídas por uma porção secretora, denominada de acordo com sua forma, e por uma porção condutora da secreção, denominada ducto (Figura 1). Com base na morfologia da porção secretora, as glândulas exócrinas podem ser divididas em:
- Tubular: a porção secretora assume a forma de tubo.
- Acinosa ou acinar: a porção secretora tem forma esférica, chamada de ácino.
- Alveolar: semelhante à acinar, porém com o espaço interno maior.
-Tubuloacinosas: quando se encontram na mesma glândula porções secretoras tubulares e acinosas.
As glândulas salivares consistem em uma porção secretora, que drena para ductos que vão desembocando em ductos maiores até chegar na cavidade oral.
Figura 1: Morfologia das diferentes glândulas exócrinas. Observe que elas apresentam uma porção secretora (vermelho), que pode ser tubular ou acinosa, e uma porção condutora (azul) que forma pequenos ductos. Estes confluem para ductos cada vez maiores até desembocarem no ducto excretor e no lúmen da cavidade. Quando a glândula possui duas ou mais porções secretoras que se unem em um único ducto excretor ela é chamada de ramificada.
De acordo com a porção condutora (ducto), a glândula pode ser simples ou composta. A simples tem apenas uma porção condutora, formando ductos excretores únicos (simples). Quando a glândula possui mais de um ducto excretor, ela é composta. As glândulas compostas possuem tecido conjuntivo que forma septos subdividindo o parênquima em lobos e lóbulos.
Figura 2: Classificação das glândulas exócrinas, de acordo com a porção condutora. De acordo com a porção condutora (ducto), a glândula pode ser simples ou composta. A glândula é chamada de simples quando possui apenas uma porção condutora e de composta quando tem mais de um ducto excretor.
As glândulas salivares são classificadas como tubuloacinosas compostas, ou seja, com porções secretoras tubulares e acinosas que desembocam em ductos ramificados. Seu aspecto em “cacho de uva” é devido ao seu arranjo, sendo que os caules correspondem aos ductos e as uvas aos ácinos (Figura 2). Essas glândulas são constituídas por células acinares, células ductais e células mioepiteliais (Figura 4).
Os ácinos presentes na sua estrutura podem ser classificados como mucosos, serosos ou mistos (seromucosos), de acordo com as células secretoras (serosas e/ou mucosas) e as características do líquido secretado (Figura 4). Esses ácinos se abrem em ductos intercalados, com capacidade contrátil, que possibilitam a movimentação da secreção para o ducto estriado e ducto excretor. O ducto estriado é chamado assim porque possui grande número de mitocôndrias que se alinham dando um aspecto de linhas ou estrias (Figura 4). O ducto excretor drena para outros mais calibrosos até chegar na cavidade oral (Figuras 1 e 2).
Lembre! A presença de muitas mitocôndrias indica que a célula gasta bastante ATP, em geral devido ao transporte ativo de íons.
Nos seres humanos, as principais glândulas responsáveis pela secreção salivar são as parótidas, as submandibulares e as sublinguais (Figura 3). Essas glândulas são encontradas em pares e contribuem com aproximadamente 90% da secreção salivar. Além delas, há um grande número de glândulas salivares menores dispersas na mucosa dos lábios, palato, língua e bochechas. Essas glândulas secretam pequenas quantidades de saliva, constituída fundamentalmente de água, íons e mucina, suficientes para manter a cavidade oral úmida. A saliva também é chamada de fluido oral, uma vez que também contém substâncias provenientes de capilares da mucosa e do sulco gengival, por isso encontram-se na saliva várias moléculas presentes na circulação sanguínea.
Em algumas espécies, como cães e gatos, a saliva faz o mesmo papel regulador da temperatura que o suor nos mamíferos, provocando resfriamento por evaporação. Então, quando o seu cachorro estiver com a “língua de fora” ele pode não estar cansado mas provavelmente está com calor.
Você Sabia?
Figura 3: Glândulas salivares. As principais glândulas salivares são pares (bilaterais): parótidas, submandibulares e sublinguais.
Em humanos, as glândulas parótidas são constituídas unicamente por ácinos serosos, que secretam solução aquosa rica em enzimas, principalmente α-amilase salivar. Corresponde a aproximadamente 20% do volume total em repouso, e quando a glândula é estimulada pode chegar a 50% do total. As glândulas sublinguais apresentam predominantemente células mucosas, que produzem secreção espessa, rica em mucina. As glândulas submandibulares (Figura 4) possuem células serosas e mucosas, as quais produzem uma secreção mista, rica em enzimas e mucina (70% do total). As células mioepiteliais envolvem os ácinos e o ducto intercalado, e sua contração auxilia a transportar a secreção para fora da porção secretora (o simpático estimula sua contração). As glândulas salivares menores são formadas por células mucosas, sendo sua secreção formada especialmente por mucina.
Você Sabia?
A caxumba é uma infecção viral sistêmica aguda, ocasionada pelo paramixovírus, que penetra pelas vias aéreas e depois multiplica-se no trato respiratório superior e nos nodos linfáticos (linfonodos). A transmissão ocorre por meio do contato direto com gotículas de saliva e o principal sintoma é dor ao engolir. A doença pode comprometer as glândulas parótidas, os testículos, os ovários, a tireoide e o pâncreas. As glândulas parótidas são as que mais frequentemente são acometidas pela infecção, desenvolvendo um aumento de tamanho doloroso e progressivo. É uma doença que se manifesta mais comumente em crianças em idade escolar, entre 5 e 16 anos.
Figura 4: Células das glândulas salivares. Observa-se as células serosas, mucosas e as mioepiteliais. Além disso, a figura mostra o ducto intercalado e o ducto estriado. O ducto estriado tem grande quantidade de mitocôndrias dispostas em linha, o que dá a aparência de estrias.
Para pensar e pesquisar: Observe as características histológicas das células serosas na Figura 4 e pense: quais estruturas intracelulares são necessárias para a execução da principal função dessas células? Você sabe qual é essa função e qual o papel de cada estrutura intracelular envolvida? Você lembra de outras células com essas mesmas características histológicas?
FORMAÇÃO DA SECREÇÃO SALIVAR
A formação da saliva ocorre em duas etapas: na primeira etapa, ocorre a formação da secreção salivar primária produzida pelas células acinares (Figura 5). No interior do ácino e dos ductos intercalados, a saliva é isotônica e possui concentração de Na+ e de Cl- semelhantes às do plasma. Como as junções oclusivas que unem as células acinares são permeáveis a íons e à água, a secreção de cloreto na membrana luminal torna o lúmen mais negativo, o que atrai o íon sódio e cria um gradiente osmótico que favorece a secreção de água pela via paracelular. Na segunda etapa, a composição iônica da saliva primária é modificada ao percorrer os ductos estriados. Trocadores iônicos nas células dos ductos estriados promovem a absorção de Na+ e de Cl-, assim como a secreção de K+ e HCO3-, da célula ductal para o lúmen dos ductos (Figura 6). Há menor secreção dos ions potássio e bicarbonato do que absorção dos íons sódio e cloreto. As células dos ductos são impermeáveis à água, impedindo a absorção de água, a qual naturalmente acompanharia por osmose o movimento do Na+ e de Cl-. O resultado é a formação de saliva hipotônica, em relação ao plasma, porém com elevada concentração de K+ e de HCO3- o que confere à saliva um pH próximo a 8. A alcalinidade da saliva é importante para a restrição do crescimento microbiano na cavidade oral e para neutralizar o ácido que pode refluir a partir do estômago. A hipotonicidade pode facilitar a percepção dos sabores.
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Figura 5: Secreção salivar primária na célula acinar. Observe que as junções entre as células são permeáveis à água e íons. Pode-se notar na membrana luminal a exocitose das enzimas e a secreção de cloreto por um canal. O AMPc e o íon cálcio são os mensageiros intracelulares ativados pelos reguladores da secreção.
Figura 6: Mecanismo de formação da secreção salivar. A secreção salivar primária (células acinares) é isotônica e há modificação da sua composição nos ductos estriados. Observe que os ductos estriados são impermeáveis à água e que a secreção final é hipotônica.
COMPOSIÇÃO DA SECREÇÃO SALIVAR
O volume diário de saliva secretado, nos humanos, varia entre 1L e 1,5 L. Tais valores dependem de vários fatores fisiológicos como o sono e o estado de hidratação, e da regulação exercida pelo sistema nervoso autônomo. A saliva é um líquido claro, composto principalmente por água (98%), íons e proteínas. Apesar de sofrer variações de pH, quando a taxa de secreção aumenta ela se torna mais alcalina, tendo como principal ànion o HCO3 . Em repouso, o pH é levemente ácido, cerca de 6,8. Outros íons como Na , K , PO4 Cl , Ca , Mg proteínas e enzimas estão presentes na saliva. Entre seus componentes orgânicos, as principais proteínas são a mucina, as enzimas amilase salivar e lipase lingual, proteínas ricas em prolina, além de agentes antibacterianos, IgA e fatores de crescimento.
A saliva ajuda na limpeza dos dentes e reduz a proliferação bacteriana, inclusive tamponando o pH ácido. As bactérias proliferam em ambiente ácido e também produzem ácido a partir de carboidratos; a acidez da saliva favorece a formação de cáries e a desmineralização do esmalte dentário. Abaixo de pH=5,5 ocorre a deposição de carbonato e fosfato de cálcio originando cálculos nos dentes, os tártaros.
A mucina é uma glicoproteína, ou seja, é formada pela junção de uma molécula de proteína com uma molécula de carboidrato. Essa glicoproteína quando hidratada forma um muco mais ou menos espesso, dependendo do arranjo da rede de mucina e da sua hidratação. O muco é responsável pela lubrificação da cavidade oral e proteção da mucosa oral e esofágica. A viscosidade do muco também exerce uma proteção agindo como barreira contra micro-organismos.
A α-amilase salivar é uma endoglicosidase, ou seja, hidrolisa as ligações internas do tipo α-1,4 de polissacarídeos (Figura 7). Os polissacarídeos são formados por 10 ou mais unidades de glicose; essas ligações α-1,4 nada mais são do que a ligação entre o carbono 1 de uma glicose e o carbono 4 de outra, formando as cadeias polissacarídicas. A hidrólise dessas ligações origina componentes menores como maltose (dissacarídeo), maltotriose (trissacarídeo) e α-dextrinas (6 a 9 monômeros de glicose), os quais serão digeridos apenas quando o quimo atinge o intestino delgado, por meio de enzimas da borda em escova dos enterócitos (maltase, sacarase, dextrinase, etc). As dextrinas são os fragmentos que possuem as ligações α-1-6, as quais não podem ser digeridas pelas amilases. A ligação α-1-6 ocorre nas ramificações da cadeia. Apesar da ação da amilase salivar, ocorrer por pouco tempo na cavidade oral (devido ao pouco tempo que o alimento fica ali), ela permanece hidrolisando carboidratos no estômago no interior do bolo alimentar, até que os movimentos gástricos provoquem seu contato com o pH ácido do lúmen gástrico desativando a ação enzimática da amilase. O seu pH ótimo de ação é de 7 e abaixo de 4 ela é inativada. A amilase salivar também é chamada de ptialina e sua ação é semelhante à da amilase pancreática.
Atenção! A ligação que a amilase hidrolisa é apenas a alfa 1-4, por isso ela é chamada de α-amilase. A ligação beta 1-4 está presente na celulose e não é hidrolisada pela amilase.
Questão para pesquisar e pensar:
Você já ficou com a boca seca ao falar em público ou em outra situação estressante? Qual seria o mecanismo regulador responsável por isso, neural ou hormonal?
Figura 7: Estrutura de polissacarídeos e ação da amilase. A amilase cliva ligações alfa 1-4 no interior da molécula. Observe que foi salientada na figura aumentada a ligação α-1-4 e a α-1-6, sendo que a α-1-6 não é clivada pela amilase, só pela dextrinase. Na figura sem o zoom, se vê a ramificação da cadeia e a ligação α-1-6 marcada em roxo.
A lipase lingual é produzida nas glândulas de von Ebner situadas na mucosa lingual. Essa enzima hidrolisa triacilgliceróis, provenientes da dieta, liberando ácidos graxos e monoacilgliceróis. Embora a α-amilase salivar e a lipase lingual sejam importantes, pois iniciam a digestão de carboidratos e de lipídios, elas não são essenciais à vida, uma vez que a digestão desses substratos pode ser completamente realizada pelas enzimas α-amilase e lipase pancreáticas. Porém, passam a ser mais importantes quando as enzimas pancreáticas não estão disponíveis ou não funcionam adequadamente. A lipase lingual age em pH ácido, do mesmo modo que a lipase gástrica.
Você Sabia?
O recém-nascido humano possui imaturidade no desenvolvimento das funções digestiva, metabólica e excretora. Esta imaturidade se traduz por múltiplas deficiências enzimáticas, que causam modificações nas funções gástricas, pancreáticas e na síntese de ácidos biliares. Nesta fase da vida, as concentrações de lipase pancreática e de sais biliares, principais agentes na digestão de lipídeos, estão em concentrações baixas no intestino. Por isso, a gordura do leite humano é digerida devido à produção das lipases salivar e gástrica, extremamente importantes para a manutenção das funções digestivas, neste período.
A saliva apresenta agentes bactericidas e bacteriostáticos na sua composição. A ação desses agentes é tão eficaz que quando há redução ou ausência da secreção salivar ocorre aumento importante da incidência de cáries dentárias, infecções e lesões orais. A lisozima é uma glicoproteína bactericida que atua sobre carboidratos presentes na parede celular das bactérias, eliminando bactérias gram-positivo presentes na boca. A lactoferrina exerce ação bacteriostática contra bactérias ao ligar-se ao íon ferro, deixando-o menos disponível para as bactérias que dependem dele para seu crescimento. A saliva também contém imunoglobulina A, que atua protegendo a mucosa contra inúmeros agentes infeciosos, e substâncias nocivas, contribuindo para a defesa imunológica e a saúde oral. Além dos bactericidas e bacteriostáticos, a saliva apresenta fatores de crescimento que contribuem para o crescimento e reparo do epitélio e de outros tipos de células do trato gastrintestinal; entre eles, o fator de crescimento epidérmico (EGF), que promove regeneração do epitélio após agressões físicas e químicas.
Questão para pesquisar e pensar:
Você já pensou por que os animais lambem as feridas? Algum componente da saliva seria capaz de cicatrizar as feridas ou contribuir para isso?
A saliva contém calicreína, uma enzima que tem ação vasodilatadora direta, mas também indireta, já que age clivando o bradicinogênio, formando assim, bradicinina, um potente vasodilatador. A importância da vasodilatação está no aumento do fluxo sanguíneo para as glândulas salivares, o que aumenta o fluxo de íons e água para os ductos e o volume secretado de saliva. Veremos a seguir como os neurônios simpáticos e parassimpáticos alteram o diâmetro dos vasos e o fluxo salivar.
Você Sabia?
Que a saliva pode ser usada para monitorar algumas doenças, realizar diagnósticos, estudar a eliminação de drogas e dosar hormônios? A coleta da saliva para essas dosagens é barata, simples e não-invasiva, por isso tem sido usada cada vez mais, inclusive para diagnóstico de gravidez, de doenças como hepatite C, AIDS e fibrose cística, alterações metabólicas e nutricionais, além da dosagem de cortisol e hormônios gonadais.
REGULAÇÃO DA SECREÇÃO SALIVAR
A regulação da secreção salivar é realizada pela divisão parassimpática e simpática do sistema nervoso autônomo. A composição da saliva e a quantidade secretada é dependente da divisão estimulada.
A presença de alimentos na cavidade oral estimula mecanorreceptores e quimiorreceptores da mucosa oral e faríngea. Os mecanorreceptores são ativados por qualquer estímulo mecânico na boca, enquanto os quimiorreceptores são ativados mais fortemente por substâncias ácidas. A ativação dos quimio e mecanorreceptores estimula os nervos aferentes que levam essas informações até os núcleos salivatórios, localizados no tronco encefálico.
Outros estímulos sensoriais, como olfato, visão e audição ou até mesmo lembranças do alimento ou imaginação, também estimulam a secreção salivar, através da ativação de centros cerebrais superiores que fazem conexões com os núcleos salivatórios. A partir de alguns destes estímulos, ocorrem os reflexos condicionados.
A sensação de náuseas, também é um importante estimulante do sistema parassimpático. Náuseas estimulam fortemente a salivação, possivelmente para proteger a cavidade oral e esofágica de efeitos negativos do ácido clorídrico oriundo do vômito. Por outro lado, o estresse é forte estímulo simpático.
A divisão parassimpática é a principal reguladora da secreção salivar. Além de ter efeito mais importante que o simpático, o parassimpático tem efeito trófico sobre as glândulas salivares. As fibras pré-ganglionares deste sistema originam-se nos núcleos salivares ou salivatórios superior e inferior, localizados no tronco encefálico. Do núcleo salivatório superior, emergem fibras eferentes do nervo facial (VII nervo craniano), que se dirigem ao gânglio submandibular (Figura 8). Deste gânglio, partem as fibras pós-ganglionares que inervam as glândulas submandibular e a sublingual. Do núcleo salivatório inferior, saem fibras motoras do glossofaríngeo (IX nervo craniano), que vão ao gânglio ótico e daí saem as fibras pós-ganglionares que inervam a glândula parótida.
A regulação parassimpática promove a dilatação dos vasos sanguíneos que chegam às glândulas salivares e consequentemente aumentam a secreção de saliva aquosa. Os neurotransmissores que medeiam essa resposta são principalmenteo peptídeo vasoativo intestinal (VIP) e a substância P liberados pelas fibras pós-ganglionares, junto com a acetilcolina. O VIP usa AMPc como segundo mensageiro e a substância P o íon cálcio. A acetilcolina se liga a receptores muscarínicos, ativando a via intracelular do IP3 e diacilglicerol (DAG), aumentando a concentração citoplasmática de Ca . O íon cálcio é o sinal que desencadeia a exocitose das proteínas, como as enzimas, e também aumenta a atividade da bomba Na K na membrana basal da célula acinar, o que estimula a entrada de cloreto pelo cotransporte com os íons sódio e potássio e a saída de cloreto na membrana luminal (Figura 5). Maior carga negativa no lúmen é estímulo para que o íon sódio (carga positiva) seja atraído para o lúmen pela via paracelular e a água sendo puxada pelo sódio aumenta o fluxo da secreção acinar. Assim, a estimulação parassimpática vai produzir uma saliva volumosa e mais líquida, diferente da estimulação simpática. Ambas estimulam a secreção de amilase e outras proteínas.
A inervação simpática para as glândulas salivares tem origem nos segmentos T1, T2 e T3 da medula espinal, de onde partem as fibras pré-ganglionares. Estas, se dirigem ao gânglio cervical superior onde fazem sinapse com as fibras pós-ganglionares que vão até as glândulas salivares. O neurotransmissor liberado por esses neurônios é a noradrenalina, que se ligará em receptores alfa ou beta na membrana plasmática das células acinares serosas. A via de sinalização ativada pelos receptores alfa aumenta a concentração intracelular do íon cálcio e os receptores beta usam o AMPc como mecanismo de ação. Tanto o íon cálcio como o AMPc são estimuladores da exocitose das proteínas produzidas nessas células, como a amilase salivar, porém o AMPc parece ser mediador mais eficaz desse efeito.
O estímulo da divisão simpática promove um aumento do fluxo de saliva viscosa, devido à mucina e ao volume menor de líquido. Também estimula a contração das células mioepiteliais e a vasoconstrição. A redução do fluxo sanguíneo para a glândula salivar é responsável pela redução da secreção de saliva. Assim, a ativação acentuada da divisão simpática, como ocorre em situações de luta ou fuga, ocasiona constrição dos vasos sanguíneos que chegam às glândulas salivares, provocando a liberação de secreção salivar pouco volumosa e a sensação de boca seca.
2+
+
+
Figura 8: Regulação da secreção salivar. A regulação é essencialmente neural, a partir dos núcleos salivatórios, via parassimpático (nervos cranianos VII e IX) e simpático. GCS: gânglio cervical superior; GO: gânglio ótico; GS: gânglio submandibular.
Questão para pesquisar e pensar:
Agora que você já estudou sobre a fisiologia da secreção salivar, você saberia dizer por que as pessoas não devem deixar de escovar os dentes antes de dormir? É o mesmo que não escovar os dentes depois do almoço? Explique.
DISFUNÇÕES
Sialoadenites são todos os processos inflamatórios que ocorrem nas glândulas salivares, sendo a maior parte devida a infecções bacterianas. São caracterizados por inchaço da glândula, dor e redução da secreção salivar. A redução ou interrupção do fluxo salivar parece ser o fator que acaba levando à obstrução dos ductos salivares por cálculos (sialolitíase) ou à proliferação de microrganismos. Xerostomia é a sensação de boca seca, com redução ou não da secreção salivar. A redução ou falta da secreção salivar acompanha algumas doenças, mas pode ser sinal de falta de ingestão de líquidos, respirar pela boca, má higiene oral, tabagismo e alcoolismo. A redução da secreção salivar também pode representar efeito adverso de alguns fármacos, como antidepressivos, anti-hipertensivos, diuréticos e anticolinérgicos, entre outros. A hipersalivação (sialorreia) também pode ocorrer em decorrência do uso de medicamentos, neste caso, colinérgicos. O aumento das glândulas salivares também pode ocorrer devido a tumores benignos ou malignos, sendo que 80% deles são benignos e ocorrem na parótida.
SECREÇÃO GÁSTRICA
INTRODUÇÃO
O estômago é um órgão oco localizado na cavidade abdominal e faz parte do trato gastrointestinal, situando-se entre o esôfago e o duodeno. O estômago apresenta função de armazenamento, digestão e proteção, mas sua participação na absorção é pequena. Este órgão atua como um reservatório e controla a velocidade de distribuição do alimento para os órgãos seguintes do trato gastrintestinal (TGI). No estômago, ocorre digestão química e mecânica do bolo alimentar, uma vez que este possui grande quantidade de glândulas gástricas e células secretoras, além da forte contração da musculatura, convertendo os alimentos em uma massa semilíquida denominada quimo (quimo=suco). Por fim, auxilia na redução de infecções, especialmente pela ação inibitória do ácido clorídrico sobre o crescimento de microrganismos. A mucosa gástrica secreta o fator intrínseco que é essencial para a absorção de vitamina B12.
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS
O estômago está localizado abaixo do diafragma, na parte superior média do abdome, chamada de epigástrio. Pode ser anatomicamente dividido nas seguintes regiões: cárdia, fundo, corpo, antro e canal pilórico (Figura 1). Em relação à atividade secretora, poderíamos considerar três regiões: cárdia, fundo-corpo e antro. A região da cárdia, que circunda a abertura do esfíncter esofágico inferior (também chamado de esfíncter do cárdia), secreta principalmente muco. As glândulas das regiões do fundo e corpo são semelhantes histologicamente e na sua atividade secretora. Nestas regiões, está localizada a maior parte das glândulas gástricas (cerca de 80%) e estas secretam todos os componentes do suco gástrico, especialmente pepsinogênio, ácido clorídrico e fator intrínseco. Já na região antro-pilórica, as glândulas são profundas e a secreção é basicamente muco, gastrina e somatostatina. A inervação parassimpática é realizada pelo nervo vago e a simpática é proveniente do plexo celíaco, os quais fazem sinapse com os plexos entéricos (submucoso e mioentérico). A irrigação arterial é derivada da aorta abdominal via tronco celíaco e a drenagem venosa desemboca na veia porta do fígado.
A parede do estômago contém as quatro camadas típicas do trato gastrointestinal: mucosa, submucosa, muscular e serosa (Figura 2). Diferente do esôfago que possui epitélio pavimentoso estratificado, o epitélio gástrico é cilíndrico simples. A mucosa gástrica penetra em direção à lâmina própria originando as glândulas gástricas, que são do tipo tubular. As fossetas ou fovéolas gástricas são pequenas depressões da mucosa gástrica que conduzem a secreção produzida pelas glândulas gástricas ao lúmen do estômago. Cada fovéola gástrica recebe a secreção de quatro a cinco glândulas gástricas. Essas fovéolas são recobertas por células mucosas da superfície (cor rosa na Figura 2) que produzem muco, formando uma barreira protetora para a mucosa. Esse muco é viscoso e contém bicarbonato, o que protege a mucosa da ação corrosiva e digestiva do ácido e da pepsina, respectivamente. As glândulas gástricas podem ser divididas em três partes, chamadas de istmo, colo e base, onde estão presentes diferentes tipos de células (Figura 2).
Atenção! Neste texto, chamamos de glândulas gástricas todas as glândulas da mucosa gástrica. Alguns autores, consideram glândulas gástricas apenas as glândulas da região do fundo e corpo, também chamadas de glândulas gástricas próprias ou glândulas oxínticas.
As células-tronco são encontradas nas regiões do istmo e colo das glândulas gástricas. São células indiferenciadas, mitoticamente ativas, ou seja, têm capacidade de se diferenciar e proliferar, repondo as células mucosas superficiais, que revestem a fovéola. Além disso, podem migrar mais profundamente se diferenciando em células mucosas do colo, células parietais (oxínticas), células principais (zimogênicas) ou células enteroendócrinas. Isso é muito importante para manter a preservação da mucosa gástrica, já que a renovação dessas células é alta e exige reposição.
As células mucosas do colo estão localizadas na região do colo ou pescoço da glândula. Contribuem com a produção de muco formando a barreira mucosa protetora do estômago, juntamente com as células mucosas da superfície, porém o muco é menos viscoso do que o produzido pelas células mucosas da superfície. Essas células migram para a base das glândulas gástricas originando as células principais, por isso o pepsinogênio pode ser secretado também por células mucosas em praticamente todas as regiões do estômago.
As células principais ou zimogênicas estão localizadas na região do base da glândula. Essas células produzem a pró-enzima pepsinogênio, que é liberada e convertida em pepsina no meio ácido do estômago. A pepsina é uma enzima que digere proteínas, por isso chamada de protease ou enzima proteolítica. As células principais também secretam a lípase gástrica, enzima que digere lipídeos.
As células parietais ou oxínticas (oxys=ácido) estão localizadas, principalmente, no istmo e colo das glândulas gástricas. Essas células secretam ácido clorídrico (HCl) e fator intrínseco, necessários para ativação da pepsina e absorção de vitamina B12, respectivamente. O pH baixo é importante também para a absorção de cálcio e ferro, além de ter ação antibacteriana.
Questão para pesquisar e pensar:
O epitélio do esôfago (pavimentoso estratificado) é diferente do epitélio gástrico (cilíndrico simples). Explique a importância de existir essa diferença. Dica: pense no que acontece em cada órgão e que tipo de epitélio é necessário para que essas funções ocorram.
As células enteroendócrinas gástricas são encontradas, principalmente, na região da base das glândulas gástricas localizadas no antro gástrico. Secretam mensageiros químicos que agem no trato gastrointestinal após estimulação mecânica, química ou neural, tais como: serotonina (célula enterocromafim), histamina (célula enterocromafim-like), gastrina (células G), somatostatina (células D) e grelina (células tipo X/A, ou Gr). Alguns chegam à célula-alvo via circulação sistêmica, como a gastrina, enquanto outros são secretados no interstício e agem por via parácrina, como a histamina e a somatostatina. Estas células enteroendócrinas fazem parte do sistema endócrino difuso que se espalha por todo o tubo digestivo e secreta inúmeras moléculas sinalizadoras, como CCK (colecistocinina), GIP (peptídeo inibidor gástrico), GLP (peptídeo glucagon-like), secretina, neurotensina, substância P, motilina, etc. As células enteroendócrinas funcionam como sensores do conteúdo luminal e participam do controle de inúmeras funções, como a motilidade e as secreções gastrointestinais, o controle da saciedade e a resposta inflamatória, atuando em conjunto com o sistema nervoso entérico (intrínseco) e extrínseco; são importantes mediadoras da comunicação cérebro-intestino e intestino-cérebro.
COMPOSIÇÃO DA SECREÇÃO GÁSTRICA
A secreção gástrica resulta da mistura dos componentes secretados pelas células mucosas que revestem a superfície do estômago e da secreção das glândulas gástricas. O estômago produz aproximadamente 2 litros de secreção gástrica diariamente, a qual é composta por água, íons, lípase gástrica, ácido clorídrico, pepsinogênio, muco e fator intrínseco. Gastrina, somatostatina e histamina também são secretadas pelas glândulas gástricas, porém para o outro lado da célula, na membrana basolateral, indo para o líquido intersticial ou circulação sanguínea e não para o lúmen gástrico.
O ácido clorídrico (HCl) é produzido pelas células parietais. Sua secreção reduz o pH do conteúdo gástrico para valores menores que 2. O pH ácido é um importante fator na ativação da enzima proteolítica pepsina, e mantém o pH baixo para que essa enzima possa agir. Além disso, desnatura proteínas e limita o crescimento de microrganismos que colonizam a superfície estomacal, auxiliando na redução de riscos de infecção causados por patógenos.
Questão para pesquisar e pensar:
Sabendo que o nome pepsina é derivada do grego (pepsis) e significa digestão, pense: o que significa dispepsia? Que sintomas você esperaria que ocorressem na dispepsia e que tratamento você acha que seria útil? Dica: o refrigerante “pepsi” foi desenvolvido como medicamento para tratar os sintomas de dispepsia devido a um dos seus componentes.
As células parietais apresentam invaginações na membrana plasmática apical que formam os canalículos intracelulares revestidos por microvilosidades onde será secretado o HCl. Os transportadores H /K ATPase (bomba de prótons) são elementos indispensáveis para a secreção de HCl e se encontram em numerosas vesículas tubulares localizadas principalmente na região apical da célula, logo abaixo da membrana plasmática. Quando ocorre um estímulo secretor, o sistema túbulo-vesicular se funde com os canalículos presentes na membrana plasmática aumentando a superfície de secreção e disponibilizando mais bombas H / K e canais de cloreto. Quando o estímulo secretor cessa, o sistema de vesículas tubulares se refaz no citoplasma e os canalículos diminuem sua superfície (Figura 3). O citoplasma é rico em mitocôndrias, indicando que a produção de HCl requer considerável uso de energia, já que o íon hidrogênio é secretado contra um enorme gradiente de concentração (pH da célula=7 x pH do lúmen =1 a 2).
A regulação da célula parietal envolve a regulação a partir de sinalização neural (acetilcolina), endócrina (gastrina) e parácrina (histamina, somatostatina, prostaglandinas). Além do seu efeito direto sobre a célula parietal, a acetilcolina estimula a secreção de gastrina e de histamina. Do mesmo modo, a gastrina age diretamente na célula parietal e estimula a secreção de histamina. Como os reguladores utilizam diferentes vias intracelulares de sinalização, a presença de mais de um estimulador tende a potencializar o efeito dos demais. Tanto histamina (via AMPc) quanto gastrina e acetilcolina (IP3-cálcio), se ligam em receptores na membrana basal da célula parietal e estimulam a fusão dos canalículos e sistema vesicular, disponibilizando mais bombas H /K na membrana apical e aumentando a secreção de HCl. Para isso, também levam à ativação de canais de potássio na MBL (membrana basolateral) e na membrana apical, hiperpolarização da célula parietal e inserção de canais de cloreto na membrana apical. Os principais inibidores da secreção de HCl, como somatostatina e prostaglandinas, agem inibindo a via do AMPc.
Considera-se que a secreção gástrica tem dois componentes em relação à composição de eletrólitos. Há uma secreção aquosa mais alcalina produzida predominantemente nas células mucosas, responsável pela secreção basal, também chamada não-ácida. Esta é composta de NaCl, água, KCl e bicarbonato, correspondendo a cerca de 10% do fluxo máximo. À medida que a célula parietal é estimulada, a concentração do íon hidrogênio vai aumentando no lúmen e se torna a secreção predominante. Assim, quanto maior a taxa de secreção, maior a concentração de HCl e menor a de NaCl. O cloreto é o ânion principal da secreção gástrica e as concentrações dos íons potássio são sempre mais altas do que as plasmáticas.
Mecanismo de secreção de HCl: Por meio da anidrase carbônica, o CO2, proveniente do metabolismo celular é combinado com a água, gerando ácido carbônico (H2CO3). No citosol, o ácido carbônico se dissocia em H e em HCO3; o bicarbonato sai para os capilares em troca pelo cloreto. Na região apical da célula parietal, a ação da H /K ATPase (transporte ativo primário) lança o H para o lúmen do estômago em troca de K para o citosol. O K acumula-se no interior das células e vaza por canais de K localizados na membrana basolateral e também na apical. Na membrana basolateral localiza-se a bomba Na /K e o antiporte Cl-/HCO3- (transporte ativo secundário), que lança o HCO3- para a circulação sanguínea e Cl- para o interior da célula. Por meio dos canais de cloreto, localizados na região apical da célula, o Cl- é secretado passivamente para o lúmen do estômago. A ação combinada dos diferentes transportes iônicos, presentes na membrana basolateral e na apical, resulta na secreção de H e Cl no lúmen estomacal, formando HCl e na reabsorção de HCO3- para o sangue (Figura 5).
A secreção de bicarbonato para o plasma é chamada de “maré alcalina” devido à grande quantidade secretada. A irrigação sanguínea da mucosa gástrica é organizada de modo que o sangue flui do fundo da glândula para a superfície da mucosa. Assim, o bicarbonato secretado na membrana basal da célula parietal atinge facilmente as células mucosas da superfície pelos capilares, favorecendo a secreção de muco alcalino para o lúmen por essas células (Figura 6).
Enzimas
A digestão de lipídeos e de carboidratos iniciada na cavidade oral continua no lúmen do estômago. A amilase salivar presente na parte interna do bolo alimentar permanece agindo por alguns minutos, até que a mistura com o ácido presente no lúmen gástrico baixe o pH e iniba sua ação. Já a ação lipolítica ocorre pela secreção de uma lipase (tributirase) semelhante à lipase lingual. A lipase gástrica é secretada pela célula principal e hidrolisa triacilgliceróis em meio ácido. A ação destas enzimas ácidas (também chamadas de pré-duodenais) passa a ser importante quando a lipase pancreática não é secretada ou não atua adequadamente e também para fornecer estímulo à secreção de CCK e PIG.
A mucosa gástrica inicia a digestão de proteínas no TGI, por meio da ação do ácido e da secreção de enzimas proteolíticas (pepsinogênio/pepsina). O pepsinogênio é secretado como uma enzima inativa sintetizado pelas células principais das glândulas gástricas do estômago. Essas células também são chamadas de zimogênicas, já que secretam um zimogênio ou pró-enzima. O pepsinogênio é enzimaticamente inativo no interior celular, mas ao entrar em contato com o meio ácido do estômago (HCl) é clivado e origina a pepsina, que é ativa e atua na digestão de proteínas. Essa ativação tardia permite que a enzima seja armazenada sem danificar a célula. Quando a célula é estimulada, o zimogênio armazenado em grânulos de secreção será secretado no lúmen por exocitose. Uma vez formada a pepsina, esta catalisa sua própria conversão a partir do pepsinogênio (ação autocatalítica) configurando um ciclo de retroalimentação positiva, de modo que quanto mais moléculas de pepsina estiverem disponíveis no lúmen maior será a ativação do pepsinogênio, formando mais pepsinas, e assim por diante (Figura 6).
A pepsina é uma enzima que hidrolisa ligações internas das proteínas, por isso é chamada de endopeptidase. A ação do ácido desnaturando as proteínas facilita o acesso da pepsina às ligações peptídicas do interior da molécula proteica. Sua ação enzimática digere aproximadamente 15 a 20% das proteínas da dieta e origina oligopeptídeos. O pepsinogênio faz parte de um conjunto de proteínas semelhantes (isoformas) que possuem propriedades proteolíticas e são secretadas na mucosa gástrica e duodenal. Em conjunto, são chamadas de pepsinas. Embora possa ser secretado por células mucosas, predomina a secreção de pepsinogênio por células principais do corpo gástrico. Esta enzima tem papel importante na digestão de proteínas fibrosas do tecido conjuntivo, como o colágeno presente nas carnes.
Sua ativação rápida se dá em pH abaixo de 3, sua atividade ideal se dá com pH em torno de 2 (1,0 a 4 ,0) e será inativada reversivelmente em pH maior que 5. Quanto menor o pH mais rápida sua clivagem e ativação. Quando o quimo alcança o duodeno, onde o pH se torna mais alcalino por ação do suco pancreático, a pepsina é inativada totalmente. No duodeno, a digestão de proteínas ocorre principalmente pelas proteases pancreáticas e pelas enzimas da borda em escova.
A ativação do nervo vago, nas fases cefálica e gástrica (descritas adiante) estimula as células parietais a secretarem HCl e as células principais a secretarem pepsinogênio. A acetilcolina (ACh), liberada pelos neurônios dos plexos entéricos, é o principal estimulador da secreção de pepsinogênio, que também é estimulada pela gastrina e pelos hormônios intestinais secretina e CCK (Figura 7).
O pH baixo também acaba estimulando mais a secreção de pepsinogênio, uma vez que estimula reflexos locais e vago-vagais que levam à liberação de acetilcolina. Além disso, a presença de ácido no lúmen do duodeno estimula a secreção de secretina e peptídeos ou produtos da digestão parcial das proteínas estimulam a secreção de CCK (colecistocinina), hormônios que chegam às células principais e estimulam ainda mais a secreção de pepsinogênio.
Fator intrínseco: O fator intrínseco é uma glicoproteína produzida pelas células parietais do estômago, que permite o transporte no lúmen intestinal e a absorção no íleo da vitamina hidrossolúvel B12 (cobalamina) proveniente da dieta. A vitamina B12, junto com o folato, desempenham um papel importante no funcionamento de todas as células do organismo, tendo função especial na síntese das bases nitrogenadas do DNA, especialmente a timina. A falta da cobalamina compromete a síntese de DNA e a divisão celular. Logo, células com proliferação rápida são mais afetadas, como as da medula óssea.
A cobalamina é encontrada especialmente em alimentos proteicos de origem animal, principalmente em vísceras, leite e ovos. Quando esses alimentos são ingeridos, a vitamina B12 é liberada das proteínas da dieta através da ação do HCl e da pepsina. A vitamina livre no lúmen gástrico se liga na proteína R, que é secretada na saliva e no estômago, e esta ligação protege a vitamina B12 da ação proteolítica da pepsina e do HCl. Este complexo (vitamina B12 + proteína R) é degradado apenas no lúmen duodenal pelas proteases pancreáticas. No duodeno, a molécula de vitamina B12 é ligada ao fator intrínseco e transportada até o íleo, onde ambos serão absorvidos. A ligação da vitamina B12 ao fator intrínseco forma um complexo que resiste às enzimas proteolíticas do lúmen intestinal. Esse complexo (vitamina B12 + fator intrínseco) se liga aos receptores específicos das células epiteliais no íleo terminal, sendo absorvidos para o interior do enterócito (Figura 8). O fator intrínseco é degradado nos lisossomos e a vitamina B12 é secretada para os capilares e transportada na corrente sanguínea pela transcobalamina II. Pela circulação êntero-hepática, chega ao fígado onde é armazenada em grande quantidade (o suficiente para suprir as necessidades do organismo por 3 a 4 anos). Do fígado, será redistribuída para as células em divisão. Parte da vitamina B12 armazenada no fígado é secretada na bile e cerca de 65% é reabsorvida na circulação êntero-hepática.
Questão para pesquisar e pensar:
Se o paciente não produz fator intrínseco e o fator intrínseco é necessário para a absorção da cobalamina, ele vai precisar receber suplemento de cobalamina. Mas se ele não pode absorver a cobalamina, de que forma ele vai absorver o suplemento?
A carência dessa vitamina pode ser causada pela falta de vitamina B12 na alimentação (dieta estritamente vegetariana) ou problemas gástricos ou intestinais que impeçam a absorção de vitamina B12, como doenças autoimunes, gastrectomia, ressecção ileal, gastrite atrófica, ausência de enzimas pancreáticas ativas, etc. Especial atenção deve ser dada aos idosos, que frequentemente apresentam deficiência na absorção intestinal.
Muco: Em condições normais, a mucosa gástrica está protegida da autodigestão por uma barreira de bicarbonato e muco, secretados pelas células mucosas das glândulas gástricas (Figuras 6 e 9). O muco é formado a partir da secreção de glicoproteínas (mucinas) pelas células mucosas. As células epiteliais do colo da glândula gástrica secretam um muco mais solúvel, enquanto as células mucosas da superfície secretam muco mais viscoso, constituindo uma camada espessa separando o lúmen (pH 1 a 2) da superfície celular da mucosa (pH 6-7). Essa camada de muco forma uma barreira mecânica e química contra o efeito abrasivo do baixo pH do lúmen (Figura 9). Também protege da lesão mecânica de alimentos sólidos e da ação proteolítica da pepsina. A secreção de bicarbonato neutraliza o ácido e impede a ativação da pepsina.
Além disso, as células mucosas da superfície são unidas por junções oclusivas que impedem a passagem do íon hidrogênio que chegar até a superfície celular em direção à lâmina própria. A boa vascularização da mucosa fornece bicarbonato e nutrientes e ajuda a remover os íons hidrogênio que tenham ultrapassado a mucosa (Figura 6). Apesar dos mecanismos de defesa, a renovação das células do epitélio da superfície precisa ser bastante alta (cerca de 5 dias).
Assim, a secreção de ácido e do muco alcalino devem ser reguladas de forma a manter a integridade da mucosa e permitir a digestão dos alimentos. O desequilíbrio, por aumentar a secreção de ácido ou diminuir a de muco, pode deixar a mucosa desprotegida e levar a um processo inflamatório da mucosa, chamado de gastrite.
Por exemplo, a ingestão de bebidas alcoólicas e o estresse emocional atuam aumentando a secreção de ácido e inibindo a de muco, podendo resultar em dano da mucosa. Além disso, o estresse tem efeito vasoconstritor, assim como o tabagismo, diminuindo a chegada de nutrientes à mucosa e dificultando o reparo tecidual necessários para manter a integridade das células. Claro que isso vai depender das condições de cada indivíduo, pois é possível estar muito estressado, beber e fumar muito e não ter gastrite ou úlcera, mas a probabilidade aumenta.
Qualquer estímulo mecânico ou irritações locais na mucosa aumenta a secreção de muco, via prostaglandinas (PGE2) e reflexos neurais (acetilcolina). Então, é preciso cuidado com a ingestão de medicamentos analgésicos e antiinflamatórios cujo mecanismo de ação é inibir a secreção de prostaglandinas.
Outro fator de risco para o desequilíbrio entre as defesas da mucosa e a ação nociva do ácido e da pepsina, levando à formação de lesões é a infecção pela bactéria Helicobacter pylori, que está presente em 95% dos casos de gastrite e úlceras gástricas.
Figura 1: Regiões do estômago. Observe o esfíncter esofágico inferior e o esfíncter pilórico, separando o estômago do esôfago e do duodeno, respectivamente. É possível identificar a pequena curvatura, entre estes dois esfíncteres na borda medial (côncava), e a grande curvatura do estômago localizada na borda lateral (convexa).
Figura 2: Glândulas gástricas. Observe a mucosa com as glândulas gástricas e as principais células secretoras dessas glândulas. Abaixo da mucosa, note a submucosa, muscular (oblíqua, circular e longitudinal) e serosa, incluindo os principais plexos entéricos intrínsecos (submucoso e mioentérico).
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Figura 3: Célula parietal em repouso e após estímulo. No lado esquerdo da figura está representada a célula estimulada e à direita a célula em repouso. Observe que em repouso há um conjunto de vesículas tubulares perto da membrana apical e na célula estimulada (à esquerda) a área da superfície dos canalículos intracelulares aumenta muito após a fusão das vesículas com a membrana plasmática. jo: junção oclusiva
Figura 4: Regulação secreção HCl pela célula parietal. Observe que todos os reguladores influenciam a atividade da bomba H+/K+ na membrana apical, através de proteínas cinases. O cálcio ativa a proteína cinase C (PKC) enquanto o AMPc ativa a proteína cinase A (PKA). Somatostatina e prostaglandinas inibem a formação de AMPc, diminuindo a secreção de HCl.
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Figura 5: Mecanismo de secreção do ácido clorídrico. Observe na membrana basolateral a bomba Na+/K+ e o antiporte Cl-/HCO3-; na membrana apical a bomba H+/K+ e o canal de cloreto. No citoplasma, a anidrase carbônica catalisa a formação de ácido carbônico, que se dissocia dando origem aos íons hidrogênio e bicarbonato. Os canais de vazamento de potássio não estão representados.
Fármacos, tais como omeprazol e pantoprazol, diminuem a secreção de HCl por causar inibição específica da H /K ATPase, também chamada de bomba de prótons. Esses fármacos são recomendados no tratamento de doenças associadas com o aumento da secreção ácida ou quando o ácido pode causar lesões, como no refluxo gastroesofágico, nas úlceras pépticas, hipergastrinemia, etc. Porém, a redução prolongada da secreção de HCl pode trazer efeitos colaterais, como a menor absorção de vitamina B12 por falta do fator intrínseco, que é secretado pela célula parietal na mesma proporção da secreção do HCl. A manutenção do pH baixo é importante também para disponibilizar o cálcio e o ferro facilitando sua absorção.
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Você Sabia?
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Figura 6: Circulação sanguínea da mucosa. Observe que as células parietais secretam bicarbonato na membrana basal (seta azul) e este é levado pelos capilares até as células mucosas da superfície, onde é secretado no lúmen junto com o muco. Note a direção do fluxo sanguíneo, da base para a superfície da mucosa (seta vermelha).
Figura 6: Ativação do pepsinogênio pelo meio ácido. Observe que o HCl secretado pelas células parietais ativa o pepsinogênio, que é secretado pelas células principais. Assim, o pepsinogênio se converte em pepsina, a enzima proteolítica ativa. A pepsina é autocatalítica, ativando outras moléculas de pepsinogênio.
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Figura 7: Regulação da secreção de pepsinogênio-pepsina. Observe que o íon hidrogênio é necessário para a ativação do pepsinogênio mas que não aumenta diretamente sua secreção. Além de desnaturar as proteínas, o que facilita a ação digestiva da pepsina, o H+ estimula neurônios dos plexos e a secreção de secretina, os quais estimulam a secreção de pepsinogênio. Os produtos da digestão das proteínas retroalimentam o sistema, estimulando a secreção de gastrina e CCK, que estimulam ainda mais a secreção de pepsinogênio.
Figura 8: Papel do fator intrínseco no transporte e absorção da vitamina B12. Observe a proteína R sendo liberada na secreção salivar e gástrica, carregando a vitamina B12 até o duodeno, onde é digerida por enzimas pancreáticas. A partir daí, o fator intrínseco carrega a vitamina até a mucosa do íleo onde o complexo vitamina B12-fator intrínseco é absorvido.
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Figura 9: Barreira de proteção à ação do HCl e da pepsina. A secreção de mucina e bicarbonato pelas células mucosas da superfície produzem uma camada de muco alcalino capaz de neutralizar os íons hidrogênio secretados no lúmen pelas células parietais. Observe que o pH no lúmen é aproximadamente 1,5 enquanto na borda apical das células mucosas pode chegar a 7.
A bactéria Helicobacter pylori (espiralada, gram negativo, com flagelo) reside principalmente no antro gástrico e, apesar de não invadir as células, provoca inflamação da mucosa gástrica favorecendo a formação de úlceras.
Se o ácido clorídrico é bactericida, como esta bactéria sobrevive ao ambiente ácido do lúmen gástrico? Basicamente, porque ela tem uma enzima chamada urease que a torna resistente à ação do ácido. A urease é uma hidrolase que age sobre a ureia e produz amônia (NH3).
A amônia funciona como tampão, neutralizando os íons hidrogênio livres no lúmen, e criando um ambiente mais alcalino dentro e ao redor dessas bactérias, permitindo sua sobrevivência no lúmen gástrico. Além disso, a formação posterior de bicarbonato também contribui para esse tamponamento.
A H. pylori produz enzimas que destroem parte do muco (mucinases, proteases) facilitando sua passagem através do muco impulsionada pelo movimento dos flagelos. Ao chegar ao epitélio, se fixam na célula e liberam toxinas, como a VacA e CagA, que alteram a estrutura e função da célula epitelial e induzem intensa resposta inflamatória e imunológica. A infiltração de leucócitos estimula a liberação de citocinas pró-inflamatórias que acabam agravando a lesão epitelial. O processo inflamatório e a perda da barreira mucosa aumentam a permeabilidade da mucosa, permitindo que os íons hidrogênio e a pepsina tenham acesso às células da superfície, intensificando o processo inflamatório. Parte dos pacientes apresentam aumento da secreção de gastrina, o que acaba aumentando a produção de ácido e pepsinogênio, agravando mais o ataque químico ao epitélio. A gastrite aguda pode tornar-se crônica e levar à erosão e ulceração da mucosa (Figura 10). A infecção crônica pode progredir para uma gastrite atrófica, o que aumenta o risco do câncer gástrico se desenvolver.
Regulação da Secreção Gástrica
A regulação da secreção gástrica envolve a interação de sinais neurais, incluindo reflexos locais, a partir de sinais gerados no lúmen e respostas via plexos entéricos, além de sinais neurais provenientes do sistema nervoso autônomo, principalmente parassimpáticos (nervo vago), que farão sinapse nos plexos entéricos. Além dos sinais neurais, há uma rede complexa de sinais endócrinos, parácrinos e autócrinos, passando por hormônios secretados na mucosa gástrica ou intestinal e vários mediadores do sistema imune e parácrinos da própria mucosa.
Neural: A inervação vagal e os reflexos locais são grandes estimuladores da secreção gástrica. A maior parte das fibras vagais são aferentes e vão participar de reflexos vago-vagais (reflexos longos ou centrais) reguladores da atividade do TGI. A via eferente vagal é organizada no tronco encefálico (núcleo motor dorsal do vago), onde recebe informações do TGI e de regiões corticais e hipotalâmicas. As fibras pós-ganglionares, originadas nos plexos entéricos, usam vários neurotransmissores, sendo a acetilcolina responsável por estimular a motilidade e as secreções, assim como causa vasodilatação no sistema gastrointestinal e é trófica para a mucosa. Quase todas as células secretoras são estimuladas pela inervação colinérgica, envolvendo a secreção de acetilcolina e ativação de receptores muscarínicos (M3), especialmente as células parietal (HCl), principal (pepsinogênio), mucosa (muco) e ECL (histamina). A exceção é a célula D, que é inibida pela acetilcolina, diminuindo a secreção de somatostatina. Outros neurotransmissores também são usados como reguladores das células secretoras, como o GRP (peptídeo liberador de gastrina) e o CGRP (peptídeo relacionado ao gene da calcitonina), por exemplo.
Gastrina: Gastrina é um hormônio proteico produzido pelas células G presentes no antro gástrico e intestino. Atinge as células-alvo pela circulação sanguínea, tendo como principal função estimular a produção de HCl pelas células parietais, embora ela estimule também a secreção de histamina e de pepsinogênio. Grande parte de seu efeito estimulador da secreção de ácido depende da estimulação da histamina que é forte estimulador da secreção de ácido.
A gastrina se liga a receptores de membrana tipo CCK-B e ativa a via do fosfatidilinositol, usando o íon cálcio como mediador das suas ações nas células-alvo.
Apresenta uma alça de feedback com a célula parietal, de modo que a gastrina estimula a produção do HCl e a maior concentração de íons hidrogênio inibe a secreção de gastrina. Do mesmo modo em relação à somatostatina. A somatostatina inibe a secreção de gastrina e de HCl, e tanto a gastrina como o HCl estimulam a secreção de somatostatina (Figura 11). O mesmo vai acontecer com o hormônio intestinal secretina, que é estimulado quando o pH do quimo no duodeno está muito ácido e tem ação inibitória sobre a secreção de gastrina, diminuindo o estímulo para a secreção de HCl pela célula parietal.
Os principais estímulos para a liberação de gastrina são os produtos da digestão proteica, peptídeos e aminoácidos, entretanto a distensão do antro e a estimulação colinérgica também aumentam sua secreção. O peptídeo liberador de gastrina (GRP) é um neurotransmissor liberado pelas fibras vagais via plexos entéricos, tendo como principal função estimular as células produtoras de gastrina, aumentando a secreção do hormônio. A secreção de gastrina é inibida quando o pH se torna muito baixo, tanto pela ação inibitória direta do ácido sobre a célula G, como estimulando a secreção de somatostatina e de secretina.
Somatostatina: A somatostatina é um polipeptídeo secretado pelas células D localizadas nas glândulas da região do corpo e região antral do estômago. A somatostatina exerce função inibitória sobre a secreção gástrica. Pode inibir a secreção de HCl diretamente, agindo como um agente parácrino ou inibindo as células G secretoras de gastrina. A somatostatina antral pode ser liberada na circulação, agindo como um hormônio. Além disso, inibe a secreção de histamina pelas células ECL, o que reforça o efeito inibitório da somatostatina sobre a secreção de HCl, especialmente no período interdigestivo, quando exerce inibição tônica dessas células. A somatostatina é inibida pela acetilcolina nos reflexos neurais e estimulada pela gastrina e pelo ácido, em alças de retroalimentação que mantém o pH adequado no lúmen (Figura 11).
Histamina: A histamina é liberada pelas células ECL, sendo sintetizada a partir do aminoácido histidina. A membrana das células ECL possui receptores para acetilcolina e gastrina que agem aumentando a secreção de histamina e a somatostatina inibe sua secreção. A histamina liberada atua de forma parácrina aumentando os níveis de AMPc das células parietais vizinhas. Assim como o Ca , o AMPc é um potente estimulador intracelular da secreção de ácido clorídrico e de fator intrínseco. Como a secreção de histamina é estimulada pela gastrina e pela acetilcolina, durante muito tempo usou-se como tratamento preferencial de gastrites e úlceras medicamentos que bloqueiam os receptores de histamina (receptores H2), bloqueando assim grande parte da ação estimulatória sobre a secreção de HCl. Atualmente, os inibidores da ATPase H K , como o omeprazol, são o tratamento de escolha. A histamina também é produzida por mastócitos presentes na lâmina própria, mas sua liberação está relacionada com reações alérgicas e respostas inflamatórias a invasores e não com o controle da secreção de HCl.
REGULAÇÃO DA SECREÇÃO GÁSTRICA
Fases da regulação da secreção gástrica
É possível dividir a regulação da secreção gástrica em três fases: fase cefálica, fase gástrica e fase intestinal, de acordo com a localização do estímulo. A fase cefálica começa antes do alimento ser deglutido, sendo responsável por 20-30% da secreção de HCl. Esta fase pode ser chamada de reflexa, já que pode ser desencadeada por reflexos condicionados, como nas demais secreções gastrointestinais. Lembre-se que há conexão do tronco encefálico, de onde partem as fibras pré-ganglionares do nervo vago, com áreas do córtex cerebral e áreas do sistema límbico. Do mesmo modo que a motilidade do TGI, as secreções também podem ser alteradas por estímulos cognitivos e emocionais. Exceto nas secreções salivares, onde a inervação parassimpática não é vagal (e sim pelos pares cranianos VII e IX), a fase cefálica é mediada pelo nervo vago em todas as secreções, incluindo as secreções biliar e pancreática.
A fase cefálica pode ocorrer a partir de estímulos antecipatórios ativados pelo olfato, visão, gosto ou pensamento que preparam o sistema digestório para a chegada do alimento. Durante a mastigação, estímulos mecânicos na cavidade oral também fazem parte da fase cefálica de regulação mediada pelo nervo vago (Figura 13). Alguns autores preferem subdividir a fase cefálica, chamando de fase oral quando os estímulos químicos ou mecânicos estão na cavidade oral. Como já mencionado antes, as fibras vagais fazem sinapse com os plexos entéricos, e estes inervam as células da mucosa, liberando principalmente os neurotransmissores GRP (estimula a gastrina) e acetilcolina (estimula gastrina e as demais secreções da mucosa, exceto a somatostatina). A somatostatina é inibida pela acetilcolina e estimulada pelo CGRP (peptídeo relacionado ao gene da calcitonina).
No caso de não ocorrer a ingestão de alimentos ou da deglutição do bolo alimentar, o pH intragástrico não é tamponado e se torna muito baixo, desencadeando reflexos neurais inibitórios e a inibição direta da secreção de HCl e gastrina.
A fase gástrica inicia quando o bolo alimentar chega ao estômago. Dura de 3-4 horas, sendo responsável por 60-70% da secreção de HCl em resposta a uma refeição. Os estímulos desta fase são mecânicos e químicos. A distensão da parede gástrica pela chegada do bolo alimentar ativa receptores de estiramento (mecanorreceptores), gerando reflexos mioentéricos (locais) e vagais. Ambos reflexos liberam ACh, e GRP que agem estimulando a secreção de HCl e gastrina, além das demais células que serão estimuladas diretamente pela ACh e também indiretamente a partir da gastrina. Com a secreção de HCl o pepsinogênio é ativado iniciando a digestão das proteínas. Há também distensão do antro gástrico, o que desencadeia um reflexo local, aumentando ainda mais a liberação de gastrina que, assim como na fase cefálica, age sobre as células parietais e células ECL. A histamina liberada pelas células ECL age sobre as células parietais, aumentando ainda mais a secreção de HCl (Figura 12).
Os principais estímulos químicos da fase gástrica são as proteínas parcialmente digeridas, cafeína, bebidas alcoólicas e elevação do pH que ocorre através do tamponamento realizado pelas proteínas dos alimentos. A secreção de gastrina é estimulada por todos esses estímulos químicos e mecânicos, exercendo papel central na regulação da secreção gástrica, essencialmente na fase gástrica.
O pH básico estimula a liberação de gastrina que age sobre as células parietais, aumentando a secreção de HCl, levando ao pH ácido ideal ao processo digestivo. Por outro lado, o HCl faz seu próprio feedback, por reflexo neural e via somatostatina. Com a queda do pH intragástrico ocasionado pela elevação da secreção de HCl, as células D secretam somatostatina, a qual inibe as células G e células ECL, diminuindo a secreção ácida. Assim, o pH do lúmen é controlado de modo a manter as condições ideais de cada momento do processo de assimilação de nutrientes (Figura 12).
A fase intestinal inicia quando o quimo ácido chega ao intestino delgado e corresponde a aproximadamente 10% da secreção de HCl. Nesta fase, há inicialmente uma estimulação da secreção gástrica, seguida por uma inibição. A estimulação se dá a partir da secreção de gastrina intestinal, tanto pela distensão do duodeno como pela presença de produtos da digestão proteica. A inibição se dá pelos hormônios intestinais, secretina, CCK e PIG.
O HCl é um dos principais estímulos para a secreção do hormônio secretina, pelas células S intestinais. A secretina promove a contração do piloro, retarda o esvaziamento gástrico, estimula a produção do íon bicarbonato pelos ductos do pâncreas para neutralizar o quimo ácido vindo do estômago e inibe a secreção ácida inibindo as células parietais e as células G.
A presença de ácidos graxos e alguns aminoácidos estimulam a secreção da CCK (colecistocinina) pelas células I do intestino delgado. Este hormônio inibitório contrai o piloro, diminui a motilidade gástrica e inibe a secreção ácida das células parietais, fazendo com que pouca quantidade de gordura entre no intestino e possam ser devidamente digeridas e absorvidas.
A presença de ácido graxos e carboidratos no duodeno estimula a liberação do peptídeo inibidor gástrico (GIP), que inibe as células parietais e a secreção de gastrina, diminui a motilidade gástrica e estimula a liberação de insulina quando os níveis de glicose sanguíneos estão altos, participando do controle do nível de glicose pós-prandial.
Resumo da secreção gástrica
A secreção gástrica dá início à digestão das proteínas e continua a digestão de lipídeos. Para isso, a secreção de ácido é fundamental, uma vez que o pH ácido ativa o pepsinogênio formando pepsina e desnatura as proteínas, permitindo a ação da pepsina na parte interna das moléculas proteicas. Tanto a pepsina quanto a lipase gástrica atuam em pH ácido, ao contrário das enzimas que atuam no duodeno, onde a secreção de bicarbonato pelos ductos pancreáticas torna o lúmen mais alcalino. As enzimas pancreáticas são mais potentes do que as gástricas e salivares e são responsáveis pela maior parte da digestão, podendo ocorrer normalmente sem a atuação das enzimas chamadas de pré-duodenais (gástricas e salivares). Porém, a presença do ácido no lúmen gástrico é importante para iniciar a digestão de proteínas e por sua ação antibacteriana. Além disso, a secreção de fator intrínseco em paralelo com a secreção de HCl é indispensável para a absorção de vitamina B12. Então, situações de redução da secreção de ácido podem também inibir a absorção da vitamina B12.
Há um equilíbrio dinâmico entre a secreção de ácido e pepsina causando digestão e, por outro lado, a proteção da mucosa pela secreção de muco e bicarbonato. Qualquer fator que altere a secreção de qualquer um desses fatores poderá modificar esse equilíbrio e causar danos à mucosa. Por exemplo, a presença da bactéria helicobacter pylori, uso de antiinflamatórios, estresse, tabagismo e uso de álcool são fatores que podem favorecer o desenvolvimento de lesão na mucosa.
Os grandes reguladores da secreção gástrica são a gastrina (hormônio) e a acetilcolina (neurotransmissor), que estimulam a secreção de todas as demais células, enquanto a somatostatina inibe a secreção de todas as células da mucosa, direta ou indiretamente. A histamina é um potente estimulador da célula parietal e sua secreção é controlada pelos outros reguladores: acetilcolina, gastrina e somatostatina.
Célula secretora Produtos Ações principais Regulação
Você Sabia?
Os antiinfamatórios não hormonais ou não esteroidais (AINEs), como os medicamentos naproxeno e ibuprofeno, assim como o ácido acetil salicílico, são utilizados para melhorar a dor e inflamação. Todos eles podem causar efeitos nocivos à mucosa gástrica, geralmente, após um longo período de uso. O principal mecanismo de ação desses medicamentos ocorre através é a inibição específica das cicloxigenases, enzimas que apresentam duas isoformas principais (COX-1 e COX-2). A COX-1, também chamada de fisiológica ou constitutiva, auxilia na manutenção da integridade da mucosa gastroduodenal, homeostase vascular, agregação plaquetária e modulação do fluxo plasmático renal. A COX-2 é geralmente indetectável na maioria dos tecidos, e sua expressão é aumentada em processos inflamatórios. As cicloxigenases convertem o ácido araquidônico, obtido da dieta ou do ácido linoléico, em prostaglandinas. Por inibirem a COX-1, os AINEs impedem a síntese de prostaglandinas da mucosa gástrica, especialmente PGI2 e PGE2, que servem como agentes citoprotetores da mucosa. Essas prostaglandinas agem inibindo a secreção ácida pelo estômago, aumentando o fluxo sanguíneo na mucosa e promovendo a secreção de muco. A inibição da sua síntese, portanto, acarreta ao estômago uma maior suscetibilidade às lesões da mucosa.
Figura 10: Invasão da camada de muco pela H. pylori. A bactéria possui a enzima urease que produz amônia a partir da ureia (captada do lúmen). A amônia neutraliza os íons H+ permitindo a sobrevivência da Helicobacter. Com a ação de enzimas que agem sobre o muco e com o movimento proporcionado pelos flagelos, a bactéria penetra na camada de muco e se desloca até a superfície das células epiteliais onde se fixa e libera toxinas. A forte resposta inflamatória induzida na mucosa é responsável pela liberação de citocinas, atração de leucócitos, ativação de macrófagos e linfócitos que acabam levando à lesão da célula epitelial e até sua morte.
Figura 11: Alças de feedback da secreção de ácido. O HCl é secretado para o lúmen pela célula parietal. O pH baixo inibe a gastrina e estimula a somatostatina que inibe a célula parietal, a célula ECL e a célula G, levando à redução da secreção de HCl. A gastrina é secretada para os capilares e tem efeito estimulatório (endócrino) sobre as demais células. Observe que a somatostatina e a histamina são secretadas no líquido intersticial pela membrana basal e atingem suas células-alvo por via parácrina. Não está representada a regulação neural.
Figura 12: Regulação da secreção de gastrina. Observe os principais reguladores da gastrina: distensão do antro e proteínas digeridas parcialmente. O principal efeito da gastrina é aumentar a secreção de HCl diretamente e via histamina. Note que há duas alças de retroalimentação onde a gastrina é inibida pelo HCl e somatostatina.
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Você Sabia?
A Síndrome de Zollinger-Ellison é caracterizada pela presença de tumores produtores de gastrina (gastrinoma) localizados na maioria das vezes no pâncreas, podendo existir em outras localizações, como no duodeno. Esses tumores promovem uma hipersecreção gástrica e consequentemente hiperacidez que supera os mecanismos protetores da barreira mucosa gástrica, causando múltiplas úlceras pépticas.
Figura 13: Fase cefálica da regulação da secreção gástrica. Nesta fase, os estímulos ainda não chegaram ao estômago mas regulam a secreção das células da mucosa gástrica via ativação do nervo vago. Observe que o nervo vago faz sinapse com os plexos e estes regulam as células secretoras por meio de vários neurotransmissores, especialmente acetilcolina.
Você Sabia?
O principal tipo de cirurgia bariátrica realizado atualmente é o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR), que é uma técnica de tratamento cirúrgico da obesidade severa, apresentando benefícios em doenças crônicas como hipertensão, diabetes e dislipidemia. O procedimento consiste na diminuição do tamanho da cavidade gástrica, resultando em um pequeno reservatório ligado ao intestino, cerca de 1 metro mais curto. A quantidade de alimentos ingerida e a absorção de nutrientes é menor, devido à redução da superfície gástrica e intestinal em contato com o alimento.
Nesse tipo de procedimento cerca de 25% de proteína e 72% de gordura deixam de ser absorvidos. Automaticamente, nutrientes que dependem da gordura dietética para serem absorvidos, como as vitaminas lipossolúveis e o zinco, estão mais suscetíveis a uma má absorção. Além disso, há maior prevalência de deficiência de vitamina B12, ferro e ácido fólico, necessitando que o paciente seja avaliado e faça uso de suplementos alimentares diariamente.
Parietal ou oxíntica
Principal ou zimogênica
Mucosa
Célula D
Célula G
Nervo vago e plexos
Célula ECL
HCl
Fator Intrínseco
Pepsinogênio
Lipase
Mucina e bicarbonato
Somatostatina
Gastrina
Acetilcolina
GRP (gastrina)
Histamina
Antibacteriano
Ativa pepsinogênio
Desnatura proteínas
Absorção da vitamina B12
Digestão de proteínas e lipídeos
Forma barreira mucosa
Inibe célula parietal, principal, G e ECL
Estimula célula ECL, parietal, principal e mucosa
Estimula célula parietal, principal, G, mucosa e ECL
Estimula célula parietal
Acetilcolina
Gastrina
Histamina
Somatostatina
Prostaglandinas
Secretina, CCK, GIP
Acetilcolina
Gastrina
Secretina, CCK
Somatostatina
Acetilcolina
Estímulo mecânico
Prostaglandinas
AINEs
pH baixo
Acetilcolina
Distensão do antro
Peptídeos digeridos
GRP, ACh
Somatostatina
pH baixo
PIG
Reflexos curtos e longos
Acetilcolina
Gastrina
Somatostatina
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