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Sistema Digestório

Para obter a energia necessária para a manutenção das atividades celulares é preciso transformar alimentos encontrados no meio externo em nutrientes, para que estes possam ser utilizados na geração de energia. Os organismos multicelulares desenvolveram um sistema especializado na assimilação de nutrientes, o sistema digestório.

Sabe-se que as disfunções que afetam o sistema digestório são as que mais levam os pacientes às consultas médicas, embora nem sempre representem uma alteração grave. Entre os sintomas mais comuns, estão os vômitos, diarreia, constipação, azia, dor no estômago e dor abdominal.

Vamos apresentar a fisiologia do sistema digestório em quatro capítulos: 1) Introdução: funções e estrutura; 2) Motilidade; 3) Secreções; 4) Digestão e absorção. Em todos os capítulos, você encontrará algumas informações sobre a fisiopatologia deste sistema. No final de cada capítulo, teremos um momento para você verificar se compreendeu bem o conteúdo e para consolidar seu aprendizado.

Introdução: funções e estrutura

 

O sistema digestório tem funções importantes e se relaciona com outros sistemas de várias maneiras. Por exemplo, o sistema digestório está intimamente associado ao sistema circulatório, o que permite o transporte de substâncias entre o tubo gastrointestinal e todas as células do corpo.

Vamos estudar neste capítulo as principais características estruturais e as funções que diretamente são afetadas por este sistema orgânico. A principal função do sistema digestório é a assimilação de nutrientes, a partir do processamento de alimentos que são ingeridos. Para que possa executar essa função, alguns processos são necessários, tais como digestão, absorção, motilidade e secreção exócrina e endócrina (Figura 1). Outras funções deste sistema são a excreção, equilíbrio hidroeletrolítico, equilíbrio ácido-base e proteção contra microrganismos. 

Excreção: há a eliminação nas fezes de produtos ingeridos e não digeridos, como por exemplo, as fibras. Nosso organismo não possui enzimas capazes de digerir as fibras, por isso elas são importantes para formar o bolo fecal.  Também são excretadas as células da parede do tubo digestório que são renovadas, além de metabólitos e resíduos, como a bilirrubina, colesterol, etc

Você Sabia?

As fibras são comumente encontradas em vegetais, frutas, leguminosas (feijão, lentilha, ervilha e grão de bico) e grãos integrais. Alguns tipos também podem ser encontradas em alimentos de origem não vegetal, como cogumelos, leveduras e alguns tipos de frutos do mar.

As fibras têm capacidade de agir sobre a frequência fecal e a quantidade de fezes formadas, diminuir o tempo de esvaziamento gástrico, promovendo sensação de saciedade mais prolongada e de diminuir a velocidade de absorção de nutrientes como a glicose e lipídeos. A lenta absorção de glicose favorece a diminuição dos níveis glicêmicos, tendo um papel importante no tratamento de indivíduos diabéticos. 

Figura 1: Processos que participam da função digestória.

Observe os órgãos que compõem o tubo digestório e os processos que ocorrem para permitir a assimilação de nutrientes contidos nos alimentos. Para isso, é preciso que ocorra a digestão, as secreções (parácrina, exócrina e endócrina), a motilidade e a absorção.

Equilíbrio hidroeletrolítico: diariamente cerca de 9 litros de água transitam entre o lúmen do tubo digestório e os capilares sanguíneos. Assim, alterações na função digestória podem alterar a quantidade de líquido eliminada do organismo. Além da água, vários eletrólitos como Na  , K  , Cl  e HCO3   também são transportados nos dois sentidos, sendo absorvidos (lúmen do tubo → capilares) ou secretados (célula da parede do TGI → lúmen do tubo) (Figura 1).

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Você Sabia?

O colesterol é um composto base para todos os esteroides corporais. A partir do colesterol são produzidos os hormônios aldosterona e cortisol, no córtex da glândula suprarrenal e os hormônios sexuais (testosterona e estradiol), nos testículos e ovários. Além disso, é utilizado na formação de ácidos biliares, na manutenção da permeabilidade da membrana plasmática e na síntese de vitamina D, um regulador da fisiologia osteomineral, em especial do metabolismo do cálcio.

A concentração de colesterol normal em indivíduos saudáveis é geralmente de 150-200 mg/dL. A grande maioria do colesterol sanguíneo não está livre, mas sim está ligado a transportadores, chamados de lipoproteínas, principalmente as de baixa densidade (LDL). É comum indivíduos com níveis sanguíneos de colesterol elevados, o que resulta em aumento do risco de eventos cardiovasculares, tais como aterosclerose. 

Equilíbrio ácido-base: embora o sistema digestório não seja o principal órgão responsável por regular o equilíbrio ácido-base, ele contribui para a conservação e eliminação de ácidos e bases e, em situações patológicas, isso pode ter efeito significativo sobre o balanço entre ácidos e bases do organismo.

Defesa: Outra importante função do sistema digestório é proteger o corpo contra os inúmeros patógenos que ingerimos (uma vez que os alimentos podem conter microrganismos) e que entram facilmente no TGI. Dessa forma, o sistema digestório possui também função de defesa do organismo! Isso se dá de várias formas, como a ação antibacteriana do ácido clorídrico e a defesa imunológica presente da parede do TGI. Veja mais sobre a defesa imunológica do sistema digestório na seção sobre a estrutura do tubo digestório.

Características Estruturais

O sistema digestório é composto de um longo tubo que atravessa o nosso corpo, desde a boca até o ânus, passando pelo tórax e abdome (Figura 2). Esse tubo possui várias camadas, sendo a mais interna (em contato com o lúmen) a mucosa e a mais externa a serosa. Veremos mais adiante, outras informações sobre essas camadas. Esse tubo é chamado de tubo digestório e é composto do esôfago e do trato gastrointestinal (TGI)*. Ele possui células secretoras na mucosa e também recebe os produtos de órgãos glandulares anexos, os quais lançam suas secreções (enzimas, muco, água, eletrólitos e sais biliares) no lúmen do tubo digestório, a chamada secreção exócrina. Esses órgãos são as glândulas salivares (sublingual, parótida e submandibular), o fígado e o pâncreas**. Adicionalmente, ao longo do TGI encontramos um sistema endócrino difuso, com células endócrinas isoladas que secretam hormônios, os quais são liberados nos capilares sanguíneos (Figura 1- secreção endócrina). Entre eles, podemos citar a gastrina a secretina e a colecistocinina (CCK).

* Muitas vezes, tubo digestório e TGI são usados como sinônimos.

** O pâncreas contém as ilhotas de Langerhans, que secretam os hormônios insulina e glucagon, os quais serão estudados no capítulo de fisiologia endócrina.

 

O tubo digestório é formado por órgãos ocos em série que se comunicam de forma controlada, permitindo ou não a passagem do bolo alimentar. Ele inicia na cavidade oral e segue pela faringe, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus (Figura 2).

Figura 2: Tubo digestório e glândulas anexas.

Observe que o tubo inicia na cavidade oral e segue pela faringe, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus.

Como cada órgão do tubo digestório exerce uma função diferente, é importante que eles sejam relativamente isolados. Por isso, existem os esfíncteres que demarcam onde inicia e onde termina um órgão do tubo digestório. Mais importante do que delimitar os órgãos, os esfíncteres têm a função de separar os conteúdos desses órgãos, de modo que as diferentes funções possam ocorrer em ambientes adequados e relativamente independentes (Figura 3). Por exemplo, o ambiente do estômago é ácido e ali só enzimas que atuam nesse pH podem agir. Já no intestino delgado, o pH ideal de ação das enzimas é mais alcalino e, desse modo, estômago e intestino delgado precisam de ambientes diferentes para realizarem suas funções. Por isso, os esfíncteres permanecem fechados a maior parte do tempo e só abrem brevemente, de forma controlada, para permitir a passagem do conteúdo de um órgão a outro, ao longo de todo o tubo. A função motora de cada esfíncter será discutida mais detalhadamente no capítulo que aborda a motilidade.

Figura 3: Os esfíncteres separam o conteúdo de cada órgão do tubo digestório. 

O esfíncter esofágico superior separa a faringe do esôfago; o esfíncter esofágico inferior separa o esôfago do estômago; o esfíncter pilórico separa o estômago do intestino delgado; o esfíncter ileocecal separa o intestino delgado do intestino grosso; esfíncter anal superior e esfíncter anal inferior separam o conteúdo do reto do meio externo.

Como já foi mencionado, o TGI é um tubo longo cuja principal função é transportar nutrientes, água e eletrólitos entre o meio externo e o meio interno. Para isso, as macromoléculas devem ser transformadas em moléculas menores para que possam ser absorvidas. Assim, o sistema digestório executa suas funções por meio de quatro processos básicos: digestão, absorção, motilidade e secreção, como descrito a seguir (Figura 1).

A digestão é a decomposição dos alimentos em moléculas menores. Esse processo de digestão pode ocorrer por meios químicos (ação das enzimas) e mecânicos, mas principalmente pela ação de enzimas que clivam (rompem) ligações químicas das macromoléculas que constituem os alimentos, formando moléculas menores.

Não podemos esquecer que o lúmen dos órgãos do tubo digestório é considerado meio externo! Se lembrarmos dessa informação será mais fácil de entender a principal função do TGI, que é transportar os nutrientes, água e eletrólitos do meio externo (o que está dentro do lúmen dos órgãos do TGI) para o meio interno (líquido extracelular). Reveja a descrição dos compartimentos no link para compartimentos cap1 do urinário. Este transporte é chamado de absorção. A absorção é um processo de transporte (ativo ou passivo) das moléculas que estão na luz do tubo (lúmen) para o meio interno, neste caso, para a corrente sanguínea. Esse processo pode envolver o transporte paracelular, também chamado de intercelular, quando ocorre pelo espaço entre as células absortivas através das junções celulares e/ou pode ocorrer pela via transcelular (através das células). 

O transporte paracelular é sempre passivo e, portanto, requer um gradiente eletroquímico para gerar a força motriz que impulsiona o transporte. Quando o transporte é transcelular, deve ser considerado que a célula epitelial possui dois polos, apical e basal. Para que a molécula alcance os capilares ela deverá ser transportada através da membrana apical (luminal) e através da membrana basolateral (Figura 4). Cada uma dessas membranas apresenta estruturas diferentes e transportadores específicos, o que faz com que o domínio apical tenha função diferente do domínio basolateral.  As junções celulares são especializadas em unir as células e permitir maior ou menor comunicação entre elas. 

Também há transporte de substâncias no sentido contrário, ou seja, das células da mucosa para o lúmen do tubo. Neste caso, chamamos de secreção. Lembre-se que esta é uma secreção exócrina, já que o lúmen é considerado meio externo. As células secretoras da mucosa também podem secretar para o interstício e para os capilares, sendo denominadas secreção parácrina e endócrina, respectivamente (Figura 1). 

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Figura 4: Polos apical e basal da célula epitelial. 

Observe as junções oclusivas, que separam os dois polos e a presença de microvilosidades no domínio apical.

Outro processo necessário para a função digestória é a motilidade. A motilidade é responsável pelo movimento do conteúdo luminal ao longo do TGI (essa movimentação é causada principalmente pela contração da musculatura que se distribui na parede do TGI). Além disso, os movimentos da parede do TGI misturam o bolo alimentar com as secreções, como as enzimas secretadas no lúmen, trituram o conteúdo luminal e facilitam seu contato com a borda luminal das células epiteliais da mucosa. No capítulo 2, trataremos com mais detalhes sobre a motilidade do TGI. 

 

Para entender um pouco melhor a função do TGI é importante revisarmos a sua forma macro e microscópica (sua anatomia e sua histologia). Não esqueça que a forma dos órgãos está diretamente relacionada com a sua função!

Partindo do lúmen do TGI, encontramos quatro camadas: a mucosa, a submucosa, a muscular e a serosa (ou adventícia), como representado na Figura 5.

Figura 5: Estrutura em camadas do tubo digestório (corte transversal). 

Observa-se a partir do lúmen (mais interno) as camadas mucosa, submucosa, muscular e serosa (mais externa). Também se pode ver na figura os plexos, que se localizam na submucosa e entre as camadas circular e longitudinal da muscular.

Na Figura 5, pode-se ver que o TGI é um tubo cuja parede é constituída de várias camadas ou túnicas*. Essa figura representa um corte transversal da parede do TGI, mostrando as quatro camadas do TGI. Lembre-se que existem variações na estrutura dos órgãos de acordo com a sua função, como forma de adaptação! Não se preocupe, vamos estudar o que é comum a todos os órgãos do TGI e comentar as variações estruturais que caracterizam cada segmento do tubo.

*Algumas vezes, também se diz “camadas” para as subdivisões das “túnicas”.

 

A seguir, vamos estudar cada uma das camadas e as especializações que ocorrem em cada órgão.

 

a) MUCOSA:

A camada mais interna, em contato com o lúmen do tubo, é a mucosa.  Esta camada é a que mais varia em cada órgão, dependendo da função que é realizada. A mucosa tem as funções de secretar, absorver, lubrificar e proteger; dependendo do órgão onde se encontra poderá predominar uma ou outra função. É constituída de:

 

Epitélio: camada contínua de células especializadas que revestem internamente o tubo; as células epiteliais e suas especializações e junções variam de acordo com o órgão do TGI e sua função. Por exemplo, o esôfago possui epitélio pavimentoso estratificado enquanto no intestino delgado o epitélio é cilíndrico simples (com microvilosidades, que aumentam a superfície epitelial). 

As células do epitélio sobrevivem por poucos dias e são substituídas por células tronco que migram para a superfície (ou para baixo) e se diferenciam. Dependendo da região do TGI, as células-tronco podem se diferenciar em células caliciformes, células enteroendócrinas, células de Paneth, células principais, etc

Para saber mais sobre a estrutura do epitélio veja o link.

 

Lâmina própria: tecido conjuntivo frouxo, contendo vasos sanguíneos e linfáticos, glândulas, terminais nervosos e células do sistema imunológico. Aqui encontramos o chamado GALT*, tecido linfoide associado ao intestino, constituído de folículos linfoides isolados ou formando agregados nas placas de Peyer e linfócitos T e B, entre outras células. Os capilares sanguíneos e linfáticos da lâmina própria são importantes para a absorção de nutrientes, especialmente no intestino delgado, sendo que a linfa carrega a maior parte dos lipídeos absorvidos.

*GALT: o tecido linfoide associado ao intestino faz parte do MALT, tecido linfoide associado a mucosas, como na mucosa urogenital e respiratória.

Para saber um pouco mais sobre o sistema imunológico, veja o link.

 

Muscular da mucosa: uma fina camada de músculo liso que separa a camada mucosa da submucosa. A contração dessa fina camada promove os movimentos da mucosa; altera a área de superfície de absorção, move as vilosidades intestinais e pode facilitar a liberação das secreções.

A morfologia da mucosa se altera de acordo com o órgão e sua função. Por exemplo, na figura 5 podemos observar que no intestino existem projeções da mucosa para a luz do tubo (evaginações, chamadas de vilosidades) que têm como objetivo aumentar o contato do TGI com o quimo e dessa forma maximizar a absorção dos nutrientes; além disso, por ser um local de bastante contato com bactérias existem agregados de tecido imune, as placas de Peyer (lembre que o intestino não é ácido como o estômago, por isso ele precisa de uma proteção extra contra os microrganismos invasores, já que ele não conta com a acidez). Em contrapartida, na Figura 6, temos uma imagem do estômago; ele não tem vilosidades nem as placas de Peyer como o intestino, mas apresenta depressões chamadas de fovéolas (invaginações da mucosa gástrica) onde desembocam as glândulas gástricas.

Figura 6: Estrutura em camadas da parede gástrica (Corte transversal). 

Observa-se a partir do lúmen (mais interno) as camadas mucosa, submucosa, muscular e serosa (mais externa). Também estão representados na figura os plexos, que se localizam na submucosa e entre as camadas circular e longitudinal da muscular.

b) SUBMUCOSA:

A segunda camada é a submucosa; ela é constituída de tecido conjuntivo denso não-modelado que sustenta a mucosa. Contém vasos sanguíneos e linfáticos. Pode conter glândulas produtoras de muco e tecido linfoide. Aqui encontramos o plexo submucoso (ou de Meissner) bastante relacionado com o controle das secreções e do fluxo sanguíneo. Lembre-se que os plexos são agregados de corpos celulares de neurônios (motores, sensoriais e interneurônios), além dos axônios desses neurônios, formando uma rede. Assim, temos um circuito neuronal no TGI! Os plexos formam o chamado sistema nervoso entérico (um sistema nervoso dentro do TGI que controla o seu funcionamento de forma independente do SNC); por estar localizado na parede do TGI, muitas vezes é chamado de sistema nervoso intrínseco.

Como mencionado anteriormente, o estômago possui uma terceira camada incompleta com músculo oblíquo nessa túnica (a muscular oblíqua do estômago).

 

c) MUSCULAR:

A terceira camada é uma camada de músculo liso, chamada de muscular (chamada por alguns autores de muscular externa, devido à presença de camada muscular na mucosa, como vimos anteriormente, e por isso temos de cuidar para não confundir as nomenclaturas; para facilitar o seu aprendizado chamaremos essa camada apenas de camada muscular). Preste atenção! No início e no final do tubo digestório a camada muscular é composta de músculo estriado, como na boca, faringe e terço inicial do esôfago e no esfíncter anal externo. Isso permite o controle voluntário dos movimentos realizados por essas regiões, como a parte oral da deglutição e a continência fecal.

A camada muscular é dividida em uma camada mais interna (a camada muscular circular) e uma camada mais externa (a camada muscular longitudinal). Quando as fibras da camada circular se contraem – com fibras dispostas de forma perpendicular em relação ao TGI –ocorre diminuição da luz do tubo, auxiliando no processo de mistura e digestão mecânica. Já as fibras dispostas longitudinalmente ao TGI – quando elas se contraem diminuem o comprimento do TGI, auxiliando na movimentação do conteúdo luminal ao longo do tubo. Para que ocorra o movimento de peristalse, responsável pela propulsão do quimo, é necessária a participação de ambas as camadas musculares.  A figura 7 ilustra essas camadas a partir de um corte transversal do TGI. A contração da camada muscular circular (interna) diminui o diâmetro do lúmen, enquanto a contração da camada muscular longitudinal (externa) encurta o tubo.

Figura 7: Distribuição das camadas na parede do TGI. 

Observe as camadas musculares circular (interna) e longitudinal (externa). Corte transversal.

 

Devemos lembrar que entre essas duas camadas de músculo liso nós temos o plexo de Auerbach (ou plexo mioentérico), responsável por regular principalmente as atividades motoras do TGI. Assim como o plexo submucoso (de Meissner) descrito anteriormente, esse plexo é formado por um conjunto de corpos celulares de neurônios motores e sensoriais, interneurônios e fibras. Como você deve imaginar, esses dois plexos se comunicam e, assim, eles conseguem controlar a função do TGI! Essa estrutura formada pelos plexos do TGI é chamada de SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO (SNE), chamado por alguns fisiologistas como “cérebro entérico”! Ele é chamado de cérebro porque é capaz de organizar ações que não dependem de controle central (Figura 8). Esse sistema é tão complexo e importante para a regulação das funções do tubo digestório, que ele possui mais de 100 milhões de neurônios que se distribuem formando redes intrínsecas, na própria parede do tubo, incluindo neurônios sensoriais, motores e interneurônios, além de células gliais.

 

O SNE é formado principalmente pelos plexos ganglionares maiores (Meissner e Auerbach) e por plexos aganglionares secundários e terciários, presentes na mucosa e em outras camadas da parede do TGI. Estes últimos não apresentam os corpos dos neurônios apenas os axônios.

Claro que o TGI não é controlado apenas pelo SNE; ele também é controlado pelo sistema nervoso autônomo* (esse inclusive pode modular o sistema nervoso entérico, controlando indiretamente o TGI, como representado na Figura 8). A inervação parassimpática é realizada principalmente pelo nervo vago (a partir do 1/3 médio do esôfago) e pelos nervos pélvicos e é, em geral, excitatória. A inervação simpática exerce efeito também indiretamente sobre o TGI, sobre a sua circulação local, alterando o fluxo sanguíneo. A Figura 8 ilustra como ocorre essa comunicação entre o SNE e o SNC para controlar de forma bastante precisa o funcionamento do TGI. Não esqueça que essa comunicação inclui neurônios sensoriais (aferentes) e motores (eferentes). 

 

*Sabe-se que o sistema nervoso visceral não é realmente autônomo, porém manteremos esta nomenclatura neste texto para evitar confusão dos alunos, já que é usado por grande parte da literatura da área e dos livros didáticos. Voltaremos a falar sobre isso no módulo do sistema nervoso.

Figura 8: Controle neural do TGI. 

Simpático e parassimpático fazem sinapses nos plexos intrínsecos (SNE). Os plexos se comunicam entre si e com as células secretoras, músculo liso e vasos

Dessa forma, os reflexos que acontecem no TGI (Figura 9) são classificados em curtos (aqueles organizados nos plexos, com controle localizado na própria parede do TGI) ou longos (aqueles que necessitam de integração com o SNC).

Figura 9: Controle neural do TGI - reflexos.

Os reflexos gerados no TGI podem ser locais ou centrais, dependendo da estrutura onde ocorre a integração dos sinais aferentes e geração dos eferentes. Simpático e parassimpático fazem sinapses nos plexos intrínsecos (SNE).

d) SEROSA ou ADVENTÍCIA:

A quarta e última camada do TGI é a camada serosa; essa camada corresponde ao peritônio visceral que envolve os órgãos abdominais e se continua com o peritônio parietal que reveste a cavidade abdominal. Não confundir serosa com adventícia! A serosa é uma continuação do peritônio – ou seja, nós encontramos serosa apenas em regiões onda há peritônio! A adventícia está presente nos órgãos retroperitoneais, como reto, parte do duodeno, pâncreas e outros. No caso do esôfago intratorácico, que está fora da cavidade abdominal, também será recoberto por uma adventícia.

Regulação

 

A regulação das funções do sistema digestório envolve principalmente o efeito de hormônios gastrointestinais e o controle exercido pelo sistema nervoso intrínseco (plexos intramurais) e extrínseco (simpático e parassimpático). Além disso, há uma complexa interação da regulação neuroendócrina com as células do sistema imune gastrointestinal e com a microbiota, originando ampla comunicação no eixo encéfalo-intestino e “diálogo” nos dois sentidos. Ou seja, sinais originados no TGI podem influenciar a função do sistema nervoso central, envolvendo mediadores endócrinos e imunes, como a influência da atividade encefálica na regulação do sistema digestório, especialmente via plexos entéricos.

 

Os hormônios fazem parte do sistema endócrino difuso, ou seja, células endócrinas distribuídas ao longo da mucosa do TGI sem formar uma glândula endócrina propriamente dita. Alguns desses hormônios são agrupados em famílias, uma vez que possuem semelhança estrutural, nos mecanismos de ação, nos efeitos, receptores, etc. Há basicamente duas famílias de hormônios produzidos na mucosa do tubo digestório. A família que agrupa colecistocinina e gastrina e a família constituída por secretina e VIP, principalmente. Há também hormônios que não fazem parte dessas famílias, mas que possuem efeito importante (por ex. motilina, grelina) e aqueles que atuam de forma parácrina, regulando especialmente as células secretórias da mucosa (por ex. histamina, somatostatina).

A regulação da função digestória pode ser dividida em três fases: cefálica, gástrica e intestinal. Como o nome das fases sugere, cada fase é determinada pela localização do estímulo. Ou seja, quando o bolo alimentar ainda não chegou ao estômago, considera-se que os estímulos da atividade digestória que ocorrem nesse momento estão na fase cefálica. Os estímulos visuais, olfativos, ou mesmo mecânicos pela mastigação ou químicos, devido aos componentes do bolo alimentar em contato com a mucosa oral, todos estão incluídos na fase cefálica (“os estímulos estão na cabeça”). Quando o bolo alimentar chega ao estômago, vai desencadear estímulos da fase gástrica da regulação e o mesmo ocorre quando o quimo chega ao intestino delgado. Ou seja, inicia a fase intestinal da regulação.

Considerando que a maior parte do tubo digestório é constituído por músculo liso, a inervação é realizada pelo sistema nervoso autônomo ou visceral. O sistema somático é responsável pela inervação do esfíncter anal externo, faringe e parte inicial do esôfago, os quais possuem musculatura estriada. Não só o tubo digestório recebe inervação do sistema nervoso autônomo, mas as glândulas, vasos e vísceras, como as glândulas salivares, pâncreas, fígado, vesícula biliar, etc (Figura 10).

Você sabia que os hormônios gastrointestinais não apenas regulam as funções do sistema digestório mas são importantes sinais de saciedade? Entre eles, colecistocinina (CCK) e peptídeo semelhante ao glucagon (GLP-1) são alguns dos hormônios liberados por estímulo dos nutrientes na mucosa do intestino delgado e exercem efeito no núcleo arqueado do hipotálamo, sinalizando para inibir a ingestão alimentar. Por outro lado, a grelina é produzida na mucosa gástrica e estimula a ingestão alimentar, também atuando em neurônios hipotalâmicos.

Da mesma forma, o nervo vago, que é o principal regulador neural das funções do TGI (parassimpático), é também um sinalizador de que a refeição deve ser interrompida. Além de ser ativado por estímulos mecânicos, como a distensão gástrica, por exemplo, o nervo vago aferente também é sensível aos nutrientes e tem receptores para CCK, evidenciando mais uma conexão do eixo intestino-encéfalo.

Você Sabia?

Figura 10: Controle neural do TGI – inervação extrínseca.

O parassimpático tem os corpos dos neurônios pré-ganglionares no tronco encefálico e na medula sacral (origem crânio-sacral) enquanto os do simpático originam-se na parte torácica e lombar da medula espinal (origem tóraco-lombar). O simpático faz sinapse nos gânglios paravertebrais ou pré-vertebrais (GC: gânglio celíaco; GMS: gânglio mesentérico superior; GMI: gânglio mesentérico inferior). III, VII, IX, X: nervos cranianos.

Agora que você já revisou (ou aprendeu) a estrutura geral dos órgãos do TGI fica mais fácil entender a sua função. Apenas para lembrar, a função do TGI é transportar nutrientes, vitaminas, água e eletrólitos do ambiente externo (conteúdo luminal) para o meio interno!  Para isso, o TGI utiliza os quatro processos descritos anteriormente (digestão, absorção, secreção e motilidade), os quais iremos descrever com mais detalhes nos próximos capítulos.

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